São Paulo, domingo, 2 de abril de 1995
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Juros podem desestabilizar o Real

ÁLVARO ANTÔNIO ZINI JR.

O descontrole dos juros é a política mais concentradora de renda que se tem registro
As atenções de quase todos estão voltadas para a crise cambial e a perda de reservas que o país está tendo em função da imprevidência com que se combinou taxa de câmbio defasada, diminuição de tarifas e aquecimento da economia.
Agora, a equipe econômica se vê obrigada a engatar uma marcha à ré na liberalização comercial, em função de não ter se dado ao trabalho de fazer projeções mínimas sobre qual seria o resultado esperável das políticas adotadas em 1994.
Uma situação de miopia parecida está ocorrendo, no entanto, com a política de taxa de juros praticada pelo Banco Central. Novamente, o governo não está prestando atenção ao descontrole futuro que resultará de suas ações (além de basear seu raciocínio em alguns números errados).
Embora grave, a crise cambial não ameaça a economia porque, com mais algumas medidas, entre elas a desvalorização do câmbio, a situação é reversível. Já o descontrole dos juros leva a um desequilíbrio grave, tanto das finanças da União quanto das dos Estados, além de ser a política mais concentradora de renda que se tem registro.
Vamos analisar o impacto concentrador de renda da política de juros do BC. Fiquemos só com a dívida em títulos (dívida mobiliária) dos governos. A União, segundo dados do BC, devia R$ 63,4 bilhões no final de janeiro. Os Estados e municípios, outros R$ 25,7 bilhões. Outros tipos de dívida não estão sendo considerados.
As dívidas mobiliárias somavam, assim, R$ 88,1 bilhões. O IBGE divulgou há poucas semanas que o valor do PIB para 1994 foi de R$ 361 bilhões. O Banco Central, por exemplo, vinha usando um valor do PIB para meados de 1994 de R$ 618 bilhões, o que subestima todos os indicadores de endividamento. Atenção, setor responsável do BC, favor corrigir o dado superestimado que você tem usado.
Como a dívida em papel é de R$ 88,1 bilhões e o PIB estimado para janeiro pode ser inferido em R$ 415 bilhões (crescimento nominal de 15% entre meados de 1994 e janeiro de 1995, acompanhando o que o BC faz), a relação dívidas mobiliárias/PIB, portanto, alcança 21,2%.
O BC vem pagando juros mensais de cerca de 4% ao mês (ou 60% ao ano). Isto implicará despesa da ordem de R$ 52,9 bilhões só com os juros das dívidas mobiliárias da Federação, dos Estados e dos municípios de São Paulo e do Rio de Janeiro (outras dívidas não estão incluídas). Pasmem: isto representa algo como 10,6% do PIB projetado de 1995!
Evidentemente, como nem os Estados nem a Federação terão esta sobra entre o que arrecadam e o que gastam, terão que aumentar seu endividamento. E há alguma solução consistente delineada para este problema? Infelizmente, não.
O que há é uma retórica de que através da privatização pretende-se abater parte desta dívida, o que não seria ruim. Entretanto, qualquer exercício aritmético pode mostrar que a privatização possível nos próximos dois anos não consegue arrecadar nem 10% do que já é devido. Este caminho, portanto, será apenas um paliativo.
A implicação concreta da política de juros siderais do BC é que irá estourar o esforço de equilíbrio fiscal da Federação e dos Estados. A alegação de que não há outro modo no curto prazo soa como desculpa, dado que este tipo de política vem sendo praticado há quatro anos e nenhuma alternativa consistente foi pensada.
Mas vamos olhar a concentração de renda propiciada por tal política. Aqueles 10,6% do PIB devidos ao pagamento de juros públicos irão para o crédito dos 2% mais ricos da população, que detêm a maioria das aplicações financeiras.
E para possibilitar esta extorsiva transferência de renda, o governo arrocha os gastos com educação, saúde, estradas e saneamento. Será que não está na hora de o Congresso Nacional fazer um debate sério da prioridade deste tipo de política?

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