São Paulo, domingo, 2 de abril de 1995
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E o Brasil está acordando

OSIRIS LOPES FILHO

O país finalmente está atendendo a uma palavra de ordem do presidente. "Acorda Brasil" é a mensagem presidencial que repercutiu pelo seu conteúdo didático.
E o país, respondendo positivamente ao comando presidencial, em ritmo lento e progressivo, está se levantando, saindo do estado de apatia e sonolência que a inércia e o imobilismo governamental o condenava.
As ruas foram ocupadas pelo povo mobilizado, às vezes barulhenta e conflitivamente, como no Rio de Janeiro e Fortaleza. Em Brasília, houve síntese: gente do Brasil inteiro veio em caravana protestar contra as reformas constitucionais pretendidas pelo governo.
E como não podia deixar de ocorrer, os estudantes, liderados pela UNE, também compareceram para assinalar sua posição de inconformidade com o que o governo federal pretende fazer com a Constituição. Em breve, ter-se-á de novo os caras-pintadas nas ruas, a dar exemplo de civismo, brasilidade e ética.
O país vai acordando com o som do toque de caixa que o governo pretendia dar à tramitação das suas propostas de emendas constitucionais. Ritmo descompassado, apressado, atabalhoado, agressivo e desrespeitoso à autonomia do Congresso.
Inicialmente a derrota do projeto de reforma da Previdência. Por tratar de matérias díspares, foi proposto o fracionamento para exame da proposta, em função do seu conteúdo, de sorte a lhe dar um tratamento lógico e sistematizado.
As emendas propostas, relativas à Previdência, afetam cada um dos brasileiros, intranqilizam o cidadão, e numa rara demonstração de inabilidade e soberba não foram objeto de debates com a população.
Nesse meio tempo, o Executivo encaminhou ao Congresso uma medida provisória retirando recursos da Previdência, em favor do Tesouro Nacional. Ora, se a situação da Previdência é pré-falimentar, como diz o ministro, sob que fundamento válido há de ser feita a sangria financeira, agravando-se ainda mais tal situação de penúria? É a total falta de oportunidade e de conveniência.
É triste ver o governo adotar as recomendações do "Consenso de Washington", com relação à disciplinação constitucional da nossa economia.
Postula o governo erodir, pelas bordas, matreiramente, a Petrobrás e a Telebrás, ao pretender abrir a economia ao capital estrangeiro, no que ela tem de mais nacional, de maior orgulho para os brasileiros, representativo do talento e da criatividade de nosso povo.
A Argentina e o México, seguindo a cartilha dos organismos internacionais, são hoje campo aberto e franco para o festim do capital especulativo estrangeiro. O México, em grave crise financeira, teve de entregar suas reservas e sua produção petrolíferas ao poderoso vizinho do norte, em garantia dos empréstimos obtidos.
Está se assegurando o modelo energético e estratégico das economias centrais do hemisfério norte.
No âmbito do comércio internacional adota o governo uma política sem norte. Política de zigue-zague. Ora liberam, ora arrocham as importações.
A recente elevação do Imposto de Importação retrata a inconsistente política de comércio exterior do país. Predomina uma orientação mercurial, que transforma as atividades de comércio internacional em atividades arriscadas e inseguras. Verdadeiro jogo de azar, no qual o maior perdedor é o país.
A democracia efetiva, no Brasil, ainda está imatura. Não há pluralismo. Os centros de decisão são poucos e auto-suficientes. Torre de marfim palaciana, isolada, no Planalto Central, perdão, no Palácio do Planalto.
"Acorda, governo federal. É hora de ir à escola", para aprender com o povo e a sociedade organizada como sair da autocracia, das soluções imperiais inviáveis. "Acorda, Brasil. É hora de preservar e defender os interesses nacionais."

OSIRIS DE AZEVEDO LOPES FILHO, 55, advogado, é professor de Direito Tributário e Financeiro da Universidade de Brasília e ex-secretário da Receita Federal.

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