São Paulo, domingo, 2 de abril de 1995
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Quem perde e quem ganha com a reforma da Previdência

REINHOLD STEPHANES

Hoje a reforma pode garantir direitos; feita mais tarde, haverá mais dificuldades
Vamos por partes.
Quais os objetivos da reforma?
1) Dar segurança aos 15,3 milhões de aposentados e pensionistas de hoje;
2) proporcionar maior justiça e maior equidade, tornando os brasileiros menos desiguais;
3) evitar que Estados e municípios se tornem insolventes. Nas atuais condições, não terão no futuro como pagar a conta de funcionários e seus aposentados;
4) impedir que os Estados e municípios percam sua capacidade de atender os cidadãos. O contribuinte que paga impostos quer água, esgoto, saúde, educação, estradas, habitação, limpeza urbana etc. Certamente, ignora que as folhas de pessoal estão absorvendo quase todo o orçamento;
5) gerar recursos adicionais para que o INSS recupere o valor dos benefícios defasados. São procedentes e justas as reclamações sobre o achatamento e perdas. As recuperações só poderão ser feitas com a reforma;
6) propiciar que os futuros aposentados e pensionistas possam ter a certeza de que receberão seus benefícios;
7) estimular a poupança e o desenvolvimento através dos fundos de pensão.
Quem ganha com a reforma?
1) Os atuais aposentados e pensionistas. Seus direitos estão garantidos e não terão arranhões em seus benefícios, como já proclamou o presidente Fernando Henrique Cardoso, com autoridade, objetividade, ênfase e clareza;
2) os brasileiros de baixa renda, que ganham de um a três salários mínimos, contribuem 35 anos e trabalham 40 e se aposentam por idade aos 60 anos. Eles são 90% só no INSS;
3) os que tenham cumprido os requisitos necessários para se aposentar e que continuam trabalhando. Poderão requerer seus benefícios nos diferentes regimes, quando quiserem;
4) quem está nos diferentes regimes terá suas expectativas de direito respeitadas, com regras claras e proporcionais de transição, ressalvadas as aposentadorias especiais;
5) a sociedade brasileira que terá um regime geral, na boa técnica e na boa doutrina, revertendo o quadro de desequilíbrios e incertezas;
6) a União, os Estados e municípios, que recuperarão sua capacidade de investir;
7) as novas gerações de brasileiros. O pacto de gerações será fortalecido com o resgate da natureza contributiva do regime.
Quem são os perdedores?
1) Aqueles de alta renda e melhor qualidade de vida que perderão as vantagens e artifícios jurídicos, conquistados nas brechas e lapsos legais. Isto não significa que não seja desejável que as pessoas se aposentem com rendas elevadas, desde que tenham contribuído de forma correspondente;
2) aqueles que exibem aposentadorias milionárias, de 100 ou mais salários mínimos, sem que tenham contribuído atuarialmente para isso e que tanto escandalizam e humilham os brasileiros. Sabem quem paga a conta? A sociedade;
2) aqueles que aspiravam aposentadorias precoces, geralmente contribuindo 25/30 anos, para passar 30/35 anos recebendo do Estado. São categorias com melhor renda e de melhor qualidade de vida e com expectativa de vida até 80 anos;
3) os que desejavam aposentadorias especiais sem qualquer exposição aos agentes nocivos à saúde e aos riscos do trabalho;
4) os que buscavam duas, três, quatro aposentadorias em diferentes regimes;
5) os que contribuem apenas por seis anos e meio, e orgulhavam-se de uma aposentadoria, obtida sem esforço, e ainda se queixavam de seu baixo valor;
Quem está contra a reforma?
É fácil identificar.
1) Não são os atuais aposentados e pensionistas do INSS, 72,9% na faixa de um salário mínimo e 90% com rendimentos de até cinco mínimos. Nem mesmo aquele velhinho baiano de 94 anos, trazido de Salvador para as manifestações de Brasília, com as despesas pagas;
2) os professores de nossas universidades, sem qualquer justificativa atuarial e demográfica. Entendo que os professores devem ganhar mais, ter melhores condições de trabalho e se aposentar com rendimentos mais elevados. O Brasil precisa saber que hoje há mais professores aposentados do que na sala de aula. A maioria se aposentou no auge de sua capacidade intelectual, tanto que volta a trabalhar às vezes na mesma universidade. Acredito que poderão ser considerados, com serenidade e responsabilidade, mecanismos de compensação. Seria mais digno. O debate ganharia qualidade;
3) os magistrados e membros dos Ministérios Públicos. Pessoas que -excluindo-se os casos das aposentadorias compulsórias ou expulsórias- largam suas carreiras na plenitude do conhecimento e do saber, sem contribuir de forma atuarial para financiar o seu benefício integral, geralmente 50 vezes superiores aos do INSS. Não discuto que devam ganhar bem. Discuto quem deve pagar a conta de benefícios sem contribuição. Só isso, e gostaria que a discussão se ativesse a esta questão singela e crucial;
4) algumas categorias de servidores públicos da União, dos Estados e municípios, a ampla maioria mal remunerada na ativa, que se aposentam com valores integrais ou superiores aos percebidos enquanto em atividade. Hoje os gastos com inativos, na União, já se equiparam aos dos ativos. Em muitos Estados e em alguns municípios, em futuro próximo, teremos mais gente na inatividade do que trabalhando. O pior: dentro de dez ou 15 anos, não terão dinheiro para honrar seus compromissos;
5) a maioria dos fundos de pensão públicos, que construíram seu patrimônio e exibem uma aparente situação de equilíbrio às expensas da sociedade, que não foi consultada e ignora o desequilíbrio estrutural crescente. A conta não poderá continuar sendo paga por todos os brasileiros. Privatizam os lucros e socializam os prejuízos;
6) as instituições filantrópicas. Há instituições sérias e respeitáveis, como as religiosas, com notáveis serviços prestados à sociedade. Isto reconheço, mas seus trabalhadores devem se aposentar e para isso não é justo a isenção ou imunidade da contribuição do empregador. Pois se não pagam, outros vão pagar. A proposta é atuarial, é de equidade, é de justiça. Por que não se propor mecanismos de compensação pelos serviços assistenciais que prestam? Penso que isto é justo.
7) os que sempre estiveram contra mudanças, por motivos óbvios: ou cumprem seu papel de oposição ou são contra a reforma para manter seus privilégios.
O governo federal propôs a reforma, dentro da boa técnica e da boa doutrina universais, inspirado em razões econômicas, financeiras, atuariais, demográficas e gerenciais.
A proposta foi encaminhada ao Congresso Nacional para conhecimento, debates, ajustes. Não é um projeto definitivo, acabado, imposto de cima para baixo. O Congresso é autônomo para decidir. Certamente, decidirá consultando a sociedade.
Como é uma reforma voltada para o futuro, para os próximos 20 ou 30 anos, precisará ser muito bem discutida.
Hoje, a reforma pode ser feita, garantindo os direitos. Há margem para isso, como sinalizamos nas regras de transição. Do contrário, terá de ser feita mais tarde, com maiores dificuldades e, provavelmente, sem garantir esses direitos, como já vem ocorrendo em alguns países que não adotaram as medidas necessárias a tempo.

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