São Paulo, domingo, 2 de abril de 1995
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Amém

SÍVIO LANCELLOTTI

SÍLVIO LANCELLOTTI
Ninguém espere, por favor, que este artigo seja politicamente correto. Ele se baseia, afinal, num conceito emitido pelo poderoso João Havelange, o presidente da Fifa. Segundo Havelange, os árbitros erram porque se ressentem de problemas pessoais ou psicológicos, ou porque atravessam momentos de rebaixamento físico. Por isso, não admite que se punam os nobres apitadores. No máximo aceita o seu afastamento temporário dos gramados.
Concordo com Havelange no conceito. Mas, politicamente incorreto, observo e argumento: os equívocos da maioria dos mediadores deste mundo provêm de uma deficiência de antologia, uma falha crônica, o seu nível mental e cultural. Com as raras exceções de praxe, viram árbitros os não-atletas -como, antigamente, se transformavam em arqueiros aqueles garotos sem a competência do pé.
Questão de seleção, objetiva seleção. Examine o leitor a postura em campo dos árbitros, deploráveis em geral, do Paulista. Algum deles ostenta o jeitão de um jogador? Antes de, politicamente incorreto, dizer que não, eu envio o raciocínio à Europa, à tal da civilização, para alinhavar: nem na Itália, ou na Alemanha ou na Inglaterra o senhor juiz da pugna tem a mínima cara de jogador.
Qual seria a solução? Havelange, ele próprio, aponta o caminho: é imprescindível profissionalizar o apito. Através de uma rigorosa definição de talentos, de aptidões e de disposições. Sem os temperamentos frustrados que não receberiam o diploma de gandula, com todo o meu respeito ao gandula. Quem pretende se tornar um mediador de fato, ah, esse cidadão (ou cidadã) necessita se mostrar incólume aos vícios da profissão.
Um deles eu aponto sem o temor de escorregar: cá no Brasil, e até no resto do mundo, um árbitro ostenta, no fundo do seu cerebelo, uma espécie de placar moral. No instante em que ele percebe um erro seu qualquer, assume uma dívida imediata com o time prejudicado. Na primeira oportunidade, o torcedor já sabe disso, o árbitro igualará o marcador com um erro em favor do clube que azarou.
Faz parte do amadorismo do apito. Faz parte -mais uma frase politicamente cruel de minha lavra- do nível patético de quem administra, em todas as funções, o futebol no Brasil. Perdão pela falta de gentileza, "monsieur" Havelange, todavia, o Deus da bola, bem deveria criar o juiz do futuro a sua imagem e a sua semelhança. Amém.

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