São Paulo, domingo, 2 de abril de 1995 |
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Monk revela Wittgenstein homossexual
LUÍS ANTÔNIO GIRON
Wittgenstein é o filósofo que tudo abandona pela lógica e, às vezes, substitui lógica por vida. Um prato cheio para o cinema. Também para a biografia, que virou seção "fast food" do ensaísmo. O filósofo inglês Ray Monk tentou construir uma ponte entre o Wittgenstein pop e seu pensamento, tão admirado quanto mal compreendido. Publicou em 1990 a biografia "Wittgenstein: O Dever do Gênio" (Wittgenstein: The Duty of Genius). A Companhia das Letras lança-a em maio, em tradução de Carlos Malferrari. O livro causou sensação dentro e fora do sacrário wittgensteiniano porque realizou quatro tarefas, três delas julgadas impossíveis: reconstruiu o percurso do pensamento do filósofo, devassou sua homossexualidade e provou nexos entre vida e produção de idéias. A tarefa possível foi a de elaborar uma hagiografia, a partir de fontes a que poucos tiveram acesso, como arquivos os de Cambridge e de Innsbruck. Monk conseguiu colocar de pé um personagem coerente, embora pintando-o aqui e ali como um Wittgenstein-superstar. Uma versão centro-européia do místico Aliócha, do romance "Os Irmãos Karamazov", de Dostoiévski -livro que o filósofo carregou na mochila enquanto lutava contra os russos nos Cárpatos. À maneira de Aliócha, Wittgenstein perseguiu a pureza de intenções e a união da prática e da teoria. Fracassou, a exemplo do personagem de Dostoiévski. Disse que não procurava a filosofia, e sim vice-versa. Quis inventar aviões; problemas lógicos o atormentaram e desistiu da aviação. Serviu o exército austríaco e esboçou no campo de batalha seus primeiros ensaios. Trabalhava em Cambridge, quando decidiu se isolar na Noruega para pensar longe da fogueira acadêmica. Trocou o Trinity College por uma classe primária num vilarejo da Baixa Áustria. Depois foi jardineiro, até que se visse diante das aporias lógicas e de uma vocação inapelável. O lógico morreu reconciliado com o catolicismo. Monk acompanha seus textos confessionais com o desvelo de um "deus ex-machina". Para o biógrafo, o rendimento sexual do pensador crescia na razão direta da elaboração mental. Assim, num dia de 1914 em que resolvia árdua questão matemática, anotou no diário: "Sinto-me mais sensual do que antes. Hoje me masturbei de novo". Nervoso e dono de um temperamento de artista (como definiu seu mestre, Bertrand Russell), Wittgenstein teve diversos casos amorosos com homens e mulheres. O mais duradouro se deu com um colega de Cambridge, Francis Skinner, com quem viveu de 1933 até a morte deste, em 1941. Monk se detém menos no sensasionalismo do assunto do que nas motivações das relações. Nas cartas a Skinner, o pensador se derramava: "Sinto que você é parte da minha vida". Ou: "Sou sempre seu velho coração". Talvez o leitor estudioso veja essas declarações como inúteis e indecorosas. Para Monk, porém, constitui a matéria caótica da qual surgiu um corpo de saber. "São" Wittgenstein era feito de carne. Texto Anterior: Crise de paradigmas em Itaguahy Próximo Texto: A edição vienense Índice |
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