São Paulo, domingo, 2 de abril de 1995
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Romeiros se unem em Kirchberg

LUÍS ANTÔNIO GIRON
DA REPORTAGEM LOCAL

Wagner tem Bayreuth. Joyce tem Dublin. Wittgenstein, Kirchberg am Wechsel. A esse vilarejo de três mil habitantes do interior da Áustria, a meio caminho de Viena a Graz, peregrinam em agosto cerca de 400 fiéis de uma religião inexistente, mas cujos rituais são observados à risca.
Os hotéis e pensões locais se conformaram a uma rotina que se dá desde 1977. Dia 16 de agosto o bando multinacional invade o lugar para render culto a São Wittgenstein. Assim começa todo Simpósio Wittgenstein, promovido anualmente pela Sociedade Ludwig Wittgenstein.
O simpósio surgiu de uma reunião de amigos e antigos colegas do filósofo que decidiram se encontrar para relembrar as décadas remotas. Liderados pelo filósofo Adolf Hubner, escolheram Kirchberg por razões sentimentais. A cidade fica ao lado das vilas de Ottertal e Trattenbach, onde, em 1924, Wittgenstein ministrou gramática e palmatória aos alunos primários.
Foi embora brigado, mas deixou saudades. As duas vilas mantêm pequenos museus. Ottertal exibe documentos da família e livros. Há também o velho monastério, que o filósofo frequentava.
Trattenbach tem um centro de documentação e a "Wittgenstein Haus", com objetos originais da escolinha em que trabalhou. Os participantes do simpósio renovam a inspiração ao revisitar o esqueleto de gato que o mestre-escola preparou para seus meninos.
Aos poucos, o simpósio foi ganhando status acadêmico. Já no segundo ano se discutiu o pensamento crítico de Wittgenstein. Em 1979 foi a vez da ética. Em 1980, linguagem. Estética e religião marcaram 1982. E assim por diante.
"A atmosfera é muito boa", orgulha-se o professor Rudolf Haller, da Universidade de Graz, presidente da entidade desde 1991 e autor do livro "Wittgentein e a Filosofia Austríaca: Questões", publicado no Brasil pela Edusp. "Produzimos cerca de 200 textos por simpósio. Não há restrições de ordem acadêmica. A rigor, qualquer um pode vir".
Basta solicitar inscrição por carta à Õsterreichische Ludwig Wittgenstein Gesellschaft (A-2880 Kirchberg am Wechsel, Áustria).
O congresso dura oito dias. O assunto do próximo é "Cultura e Valor". Objetivo: especular sobre um possível sistema ético-estético fundamentado adivinhe em quem.
Desde que assumiu, Haller procurou dar um tom internacional ao encontro. "Era preciso eliminar o caráter paroquial dos primeiros congressos e fazer com que os velhos confrades se dessem conta de que a formação de Wittgenstein não era apenas austríaca, mas também britânica". Em 1993, o tema foi a tradição britânica em Wittgenstein.
Cada simpósio passou a ser organizado por um especialista convidado. O presidente é eleito a cada três anos (o que não impede Haller de estar na função há cinco). Foram também criados dois cargos de vice-presidente.
Como a toda seita corresponde um apóstata, a nova ordem provocou protestos de Hubner, que abandonou a romaria por achar que ela perdera o sentido inicial.
A Sociedade Wittgenstein não se abate. Publica anualmente um volume com os textos do simpósio, sempre com novos ângulos.
"Existe tanta variedade de interesses que discutimos praticamente todos os assuntos durante os simpósios", diz Haller. O mais importante, pensa o presidente, é manter viva a saudável idolatria.

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