São Paulo, domingo, 2 de abril de 1995
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Um novo embuste científico?

ALEXANDER COCKBURN
DA "THE NATION"

Quando as pessoas realmente querem acreditar, elas põem fé em qualquer coisa. Isso não quer dizer que as pinturas rupestres recentemente encontradas na região francesa de Ardèche sejam falsificações já comprovadas, mas os indícios que apontam para isso estão lá, sem dúvida.
No que diz respeito à credulidade humana, vale lembrar que não estamos tão distantes no tempo dos diários fraudulentos de Hitler, rabiscados por um falsificador com uma tentativa apenas superficial de imitar a letra do Fhrer.
Peritos solenemente atestaram a veracidade de documentos que já estavam imbuídos da "autenticidade" conferida pelo fato de haverem trocado de mãos por enormes somas de dinheiro.
Lord Dacre (nome verdadeiro é Hugh Trevor-Roper, professor de Oxford e autor de "The Last Days of Hitler") virtualmente destruiu sua reputação ao desempenhar o papel de perito consultor para os interesses dos Murdoch, que estavam adquirindo os direitos mundiais sobre os diários.
Dacre descreveu como entrou na sala onde estavam expostos os cadernos (decorada com artigos da época de Hitler), olhou para a pilha de cadernos, os examinou brevemente e "minhas dúvidas pouco a pouco se desfizeram".
Os falsificadores no campo da arqueologia tiram proveito do desejo profundo que temos de conhecer as origens de nossa espécie. O caso do Homem de Piltdown envolveu um osso maxilar, que supostamente indicava a existência do "elo perdido".
Boa parte da análise paleontológica se baseia em especulações completamente infundadas e as técnicas de determinação de idade, incluindo aquele feito com carbono, são muito mais especulativas do que comumente se supõe.
Imagino que metade dos ossos desencavados na África oriental e saudados como resquícios da aurora da humanidade tenham sido colocados em seus lugares por lavradores revoltados ou seus patrões ambiciosos, no decorrer dos últimos 50 anos.
Quanto ao novo tesouro descoberto em Ardèche, testemunhamos a sequência já normal de aclamação extasiada por parte de "especialistas", devidamente reportada pela imprensa.
"Temos aqui um sítio arqueológico virgem", diz Jean Clottes, descrito pelo "The New York Times" como o maior especialista francês em arte rupestre.
"Ele pode muito bem vir a modificar nossas idéias sobre os objetivos e usos da arte rupestre".
Os três descobridores, um dos quais era Jean-Marie Chauvet, guarda público de sítios pré-históricos, disseram que no dia 18 de dezembro sentiram um ventinho saindo do chão e que então descobriram as imensas cavernas, contendo cerca de 300 pinturas.
Alguns aspectos suspeitos da descoberta são os seguintes:
uma caverna "intocada há milênios";
pinturas de animais em movimento -cavalos correndo, rinocerontes dando chifradas-, fato aparentemente único na arte pré-histórica;
imagens diversificadas e incomuns, incluindo um painel com apenas um rinoceronte gigantesco e boa perspectiva, além de "a única representação de uma pantera que temos na arte pré-histórica", segundo Clottes, que estimou a idade das pinturas em 17 mil a 20 mil anos;
uma cena de altar, com uma caveira de urso colocada sobre uma grande pedra no meio de uma área, com pinturas de ursos formando um pano de fundo, tudo isto suscitando muitos comentários de que essas cavernas seriam locais sagrados de algum tipo de "culto".
questões não respondidas: a região de Lascaux e a de Ardèche tinham faunas semelhantes no paleolítico, mas nas cavernas de Lascaux, segundo Clottes (citado pelo "Times"), "as imagens eram quase todas de cavalos e bisões, enquanto nesta caverna predominam os ursos e rinocerontes, animais que os homens geralmente não caçavam nem comiam".
Além disso, por que as imagens de uma coruja, uma pantera e uma hiena foram encontradas nesta caverna, mas não em outras da região mediterrânea?

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