São Paulo, domingo, 2 de abril de 1995
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DEPOIMENTOS

ROBERTO SCHWARZ
ESPECIAL PARA A FOLHA

DEPOIMENTOS
Giannotti é das pessoas cuja presença modifica o ambiente intelectual. A exigência lógica muito militante, que é a sua marca registrada, atormentou e empurrou para frente um bom grupo de professores, alunos e amigos. A sua reflexão sobre a dialética ajudou a dar à luz uma porção de estudos destacados, e isso em campos os mais diversos, como história, sociologia, psicologia, linguística, antropologia, sem falar na própria filosofia. Sem me incluir entre os destacados, o meu trabalho lhe deve muito. Acredito que em termos de técnica intelectual, para não dizer tirania metodológica, Giannotti tenha sido a influência mais produtiva de sua geração, embora sempre influência restrita a poucos, dada a expressão algo encrencada do filósofo.
Ao voltar ao Brasil, em 1958, a sua ânsia de transmitir aos companheiros o ideal de rigor com que se comprometera durante os estudos europeus era uma coisa irresistível. Integrada ao impulso de reanimar o marxismo, de livrá-lo da esclerose dogmática e de lhe devolver a força crítica e científica, esta ânsia foi um verdadeiro acontecimento intelectual. Tinha a ver com o clima que naqueles nos dominava a Faculdade de Filosofia da rua Maria Antonia: acreditávamos que o Brasil enfrentaria os seus problemas e sairia de seu atraso, e que estávamos contribuindo para superar as insuficiências que nos separavam do padrão mental dos países civilizados.
Um documento deste esforço de independência é o artigo de 1968 com que Giannotti entrou em campo contra as reflexões marxistas de Althusser, recém-publicadas. Uma crítica da mais alta qualidade, contrária em tudo à moda européia, e sobretudo corajosamente atual, pois o althusserismo na época tinha, além do peso filosófico, a urgência política. Baste lembrar que Poulantzas e Debray (o teórico da guerrilha) andavam na sua esteira. Ora, nunca faltaram filósofos locais que filosofassem com a própria cabeça, com resultado pitoresco. Tampouco era novidade um filósofo morar aqui e filosofar em alto nível como se não morasse. A coisa inédita foi o repente do professor de lógica, bem formado na França, e aliás fanático das coisas francesas: a certa altura, Giannotti achou que as elaborações intelectuais de seus amigos da USP e a experiência histórica a que estavam todos ligados o pressionavam e autorizavam a questionar, com propriedade verdadeira, a fina flor das teorias contemporâneas, em particular o sumiço dado na História. A Europa naturalmente não notou, perdendo uma rara oportunidade de se curvar com justiça diante do Brasil.

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