São Paulo, domingo, 2 de abril de 1995
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Não é milagre

GILBERTO DIMENSTEIN

Não é milagre. Essa extraordinária possibilidade está embutida num projeto concluído semana passada pelo Ministério da Saúde, integrado ao programa Comunidade Solidária. Meta: reduzir pela metade a taxa de mortalidade infantil, ao custo anual de R$ 2,1 bilhões.
Ao contrário da Aids, a cura é simples: aumento da vacinação, contratação de agentes de saúde, atendimento às grávidas, distribuição de alimentos e obras de saneamento (água e esgoto).
É, por enquanto, uma meta de papel, apenas uma boa intenção. O plano só tem assegurados R$ 800 milhões. Não se sabe, por enquanto, de onde virá o restante do dinheiro. Vamos convir: é pouco para uma nação com um PIB estimado de R$ 450 bilhões.
O essencial: a meta é viável. Até porque boa parte da redução da mortalidade infantil depende da educação das mães e temos um avançado sistema de comunicação -estimular o aleitamento materno ou reidratação oral, por exemplo.
Regiões muito mais pobres do que o Brasil ostentam índices várias vezes inferiores de mortalidade infantil. No miserável Sri Lanka, com uma renda per capita de U$ 200 ao ano (aqui é quase US$ 3.000), a taxa é de 19 mortos por mil nascidos. Aqui, 55 por mil.
Nem precisamos buscar exemplos lá fora. Em quatro anos, o Ceará reduziu em 30% a mortalidade infantil, disseminando os agentes de saúde. Atuando apenas nos bolsões de pobreza, a Pastoral da Criança, da Igreja Católica, gasta meio dólar por cada criança. Obtém ótimos resultados.
Traduzindo: é fácil fazer. Não há oposição e nenhuma medida precisa ser aprovada no Congresso. Depois de quatros anos de mandato, Fernando e Ruth Cardoso podem gozar a suprema vaidade de salvar 100 mil seres por ano. Um sentimento especial para quem é pai e avô.
A contrapartida é devastadora: ser responsável por essa tragédia. Também um sentimento especial para quem é pai e avô.
PS - A mortalidade infantil é a forma mais cruel de desrespeito ao direito adquirido; nada é mais importante do que o direito à vida.

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