São Paulo, domingo, 2 de abril de 1995
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Rei da comédia guarda chave do tamanho

LUÍS ANTÔNIO GIRON
DA REPORTAGEM LOCAL

Humoristas brasileiros costumam terminar seus dias com uma postura trágica. Querem justificar pela tragédia a nobreza do trabalho. O riso se engrandece na lágrima final.
Eles dissolvem o humor e a linguagem do humor no embargo da razão. O ideal se esvai no mundo cruel.
Não Golias. Nele, gargalhada e choro se materializam num paradoxo. Une dois tipos clássicos do clown: o do nariz vermelho, grotesco que apanha e tropeça nos sapatos, e o da face de alvaiade, o palhaço sério que no circo antigo cantava liras de capadócio.
Mestre do realismo e do "caco" -piadas feitas à revelia dos roteiristas-, Golias renasce da auto-ironia. Diverge dos colegas.
Exemplos. Zé Trindade se despediu do público aos prantos. Costinha, patético, se fossilizou na piada sobre gays.
Jô Soares e Chico Anysio, possíveis êmulos de Golias, levam-se a sério. Não há pior pecado para o cômico.
Jô inverteu o papel do ofício e hoje ri dos outros no seu esclerótico talk show. Chico explora o talento alheio na divertida "Escolinha". Na pele do respeitável Raimundo, deseja a redenção intelectual. Pinta. Escreve livros.
Golias não. Com os pés crivados no picadeiro, evita comandar programas ou pedir que a universidade o acolha. Sempre ri das próprias piadas. Mantém distância crítica do papel que representa.
Em certos momentos da "Família Trapo", nos anos 60, ou de "A Praça é Nossa", dos 80 e 90, ele desestruturava o roteiro para impor uma gozação sem objeto, voltada para o absurdo.
O último palhaço se dá uma surra para rir de si próprio. Sua cara de Jack Lemmon pintado por Francis Bacon dá efeito instantâneo. O rosto se enxerta no corpo sem traços. Um físico normal arma o pedestal de um cérebro pirado.
A chave de Golias está no tapete que ele puxa para si mesmo. Os rivais choram por último. É o rei da comédia porque ri da comédia.

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