São Paulo, sexta-feira, 7 de abril de 1995
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O cobertor é sempre curto

CLOVIS ROSSI

Clóvis Rossi
SÃO PAULO - A única saída real para os problemas brasileiros é sair do varejo e tentar ao menos elaborar um projeto macro, porque as soluções propostas pelo governo, como aliás por governos anteriores, pecam por serem parciais.
Vejamos o caso da Previdência. A proposta do governo tem um sentido contábil. Pode até resolver o problema de caixa da Previdência, mas não resolve o problema essencial, que é baixa remuneração dos aposentados. Pior ainda: a remuneração, já baixa, está caindo em vez de aumentar. O teto legal máximo era de 13,5 salários mínimos em 1991. Hoje, é de apenas 6,5.
Um estudo elaborado pelo Instituto Liberal de São Paulo aponta seis causas da crise da Previdência. Pelo menos duas delas (desemprego e desvio de recursos) independem do modelo que se adote.
A menos que haja desemprego menor (incluindo-se aí o subemprego), a Previdência terá sempre problemas de arrecadação. Tanto maiores quanto maior for o desvio de recursos, como é óbvio. Não há lei que possa proibir o desvio de recursos.
À falta de dados precisos, pode-se até suspeitar que a crise da Previdência se deve menos aos fatores intrínsecos (como a inversão da pirâmide demográfica) e mais aos problemas externos (desemprego, subemprego, desvios).
No fundo, o problema da Previdência, como quase todos os outros, é de cobertor curto. Cobre-se o caixa da Previdência e se mantêm descobertos os pés, pernas e até todo o corpo dos aposentados e pensionistas.
Da mesma forma, o problema da educação, conforme se mostrou anteontem neste espaço, vai muito além da sala de aula. Começa, a rigor, no ventre materno. A má nutrição da mãe torna pelo menos 40% dos futuros alunos incapazes de absorver conhecimento. Portanto, mesmo que o cobertor da prioridade à educação atenda a sala de aula, deixa descoberto um problema congênito, ligado à fome.
O verdadeiro nó do Brasil é esse: miséria e má distribuição de renda, muito mais do que a Constituição de 1988. Ou se tem um projeto global que, a médio prazo, permita ao menos amortizar a dívida social, ou vai se ficar andando em círculos eternamente.

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