São Paulo, domingo, 16 de abril de 1995
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Para cardeal, a camisinha "é o mal menor"

DA REDAÇÃO; DA REPORTAGEM LOCAL

D. Paulo diz que erros atribuídos ao papa são de responsabilidade da Cúria Romana, com quem admite ter problemas
Na entrevista à Folha, dom Paulo tratou de temas considerados tabus para a Igreja, como o uso de contraceptivos e camisinha. Ele defendeu o uso de camisinha.
"Se você tem de escolher entre dois males, escolha o menor", afirmou. "Se você usa camisinha, este é o mal menor. Senão você mata", disse, ao se referir ao uso de preservativos para evitar Aids.
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Folha - O sr. se sente à vontade com a recente encíclica papal, que reafirma as posições da Igreja no campo moral, como a proibição dos contraceptivos?
D. Paulo - Acho que os teólogos que contestam as posições morais da Igreja mantêm sempre os clichês deles. O papa fica na mesma e eles ficam na mesma (risos).
Então o que é a moral? É discutir essas coisas? A moral indica o meu modo de agir dentro de princípios. O meu princípio maior é o da solidariedade.
Os demais princípios são secundários. Se eles discutem, por exemplo, se é permitido ou não usar meios contraceptivos, isso não me interessa.
Folha - O sr. condena essa proibição de contraceptivos?
D. Paulo - Não, eu não condeno. Não me interessa discutir sobre isso. Têm coisas muito mais importantes. Por que vou perder tempo com isso?
Folha - Mas, no seu papel de pastor, alguns casais podem procurá-lo em busca de uma orientação sobre o assunto.
D. Paulo - É simples. Digo a eles: a Igreja diz isto. Sabendo isso, vocês têm sua consciência.
A consciência é a única lei suprema que rege a vida humana. Fora da consciência você estaria fora de você. Você mesmo tem que se reger. .
Folha - A Igreja tem sido acusada de prejudicar a prevenção da Aids por sua intransigência com os preservativos...
D. Paulo - Nunca falei contra o uso de preservativos. Isso se deve deixar para as pessoas decidirem.
O que a gente sempre diz é que você não deve prejudicar nem a si e muito menos ao outro. Muito menos, porque você está matando.
Então, como diz a moral desde o começo da história da humanidade, se você tiver de escolher entre dois males, escolha o menor. Se você usa a camisinha, este é o menor mal. Senão você mata -e você não é doido de matar, é?
Folha - Quando Paulo 6º soltou a encíclica "Humanae Vitae", em 68, condenando os contraceptivos, o teólogo suíço Hans Küng disse que aquilo era um problema de consciência de cada casal e que aquela encíclica não devia ser levada em consideração. O sr. chega a esse ponto?
D. Paulo - Não, não. O papa, para mim, é um superior. Ele tem o seu domínio, como tenho o meu.
Mas eu tenho o meu domínio direto, não por incumbência dele. Tenho que decidir minhas ações.
Eu não critico o papa, nunca. Eu critico muito a Cúria Romana, porque acho que o que se atribui ao papa, de erro, é da Cúria.
Folha - Mas esses documentos escapam à orientação dele?
D. Paulo - Não, isso a gente não pode dizer, porque ele sempre assina, aprovando. Mas eu estou certo de que um homem que vive preocupado em ser missionário, em viajar, em aprender todas as línguas, não pode cuidar de todas as coisas que acontecem na Cúria.
Folha - O sr. em algum momento pensou na possibilidade de ser papa?
D. Paulo - Não. Nunca, nunca, nunca. Eu sabia com toda certeza que nunca iriam pensar em alguém que teve a história que eu tive.
É impossível, embora eu conheça todas as línguas européias e tenha estudado lá e encha todos os salões quando falo lá. Sou mais conhecido na Alemanha, ou na Bélgica, do que no Brasil.
Folha - O que há na sua história que inviabiliza sua eleição?
D. Paulo - Isso de a gente se opor ao regime militar como se opôs. Eu era tido como um homem que arrisca demais.
Folha - Isso não é um mérito, para um cristão?
D. Paulo - Para eles, não.
Folha - João Paulo 2º também não se opôs ao regime polonês?
D. Paulo - Não, não. Pelo contrário. Ele deixava o Stepan Vyczinski, que era o primaz, falar. O Vyczinski foi preso, ficou na cadeia. Ele não.
Folha - Para ser papa, então, é preciso ser omisso?
D. Paulo -Não. Para ser papa é preciso ter um pouco de diplomacia, ter apoio de todos os lados.
Folha - Tem que ser um pouco como um político mineiro?
D. Paulo - É, tem que ser mineiro (risos). São os de língua inglesa, de língua francesa e de língua espanhola os que decidem.
Folha - Mais que os italianos?
D. Paulo - Os italianos não decidem nada. A gente gosta de escolher um italiano porque o italiano elimina muitas dificuldades de relacionamento com o governo e o povo. Um estrangeiro sempre tem dificuldade.
Folha - Será que chegou a hora de um papa não-europeu?
D. Paulo - Cheguei a pensar isso na eleição passada, porque havia alguns africanos.
Na época, pensei: se eles pensarem em alguém de fora, eles vão ao limite, vão pegar alguém da África, alguém que conheça as línguas, tenha estudado na Europa.
Havia meia dúzia de cardeais pretos na Cúria Romana, achei que um deles podia ser escolhido. Hoje acho pouco provável.
Folha - E o cardeal nigeriano Francis Arinze, que é apontado como possível sucessor?
D. Paulo - O negro? Duvido muito. Ele é pouco conhecido. Embora seja muito querido e respeitado entre os não-cristãos.
Eu duvido que a gente possa adivinhar quem será o sucessor. Nem lá dentro eu arrisco palpites.

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