São Paulo, domingo, 16 de abril de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Collor nas artes

RICARDO SEMLER

Os arrivistas nos fascinam. Foi assim com o Collor, que virou o darling da sociedade, trazendo de roldão sua turma de empresários saídos misteriosamente do nada.
A mídia, espelhando o deslumbre da elite míope, engole tudo sem mastigar. Com dinheiro, tanto faz de onde venha, damos carta branca para os novos Collors.
Caso em questão: o atual chefe das artes, Edemar Cid Ferreira. A mídia está há meses a lambuzar seus coffee table. Ocupa quanto quer de espaço na mídia, hábil tanto quanto nosso alagoense-mor, seu ídolo, na versão de fatos.
A última Bienal foi anunciada com estardalhaço, prometendo uma ruptura formidável e um reconhecimento internacional. Além, lógico, de hordas de visitantes, lucro recorde e valor artístico ímpar. Apesar de nada disso ter acontecido, ficou a impressão de que sim.
Os visitantes foram minguados duzentos e poucos mil, pouco mais do que um bom Fla-Flu, e bastante menos do que várias outras Bienais. Considerando a população da cidade, então, esta Bienal atraiu de metade a um sétimo das pessoas que prestigiaram edições bem-sucedidas das últimas décadas.
Quanto ao lucro anunciado, algo não está muito ortodoxo. O grande amigo do doutô das artes, o senador-despachante Gilberto Miranda, famoso na Zona Franca de Manaus e outro amigo comum de Collor, destinou discretamente R$ 5,2 milhões à Fundação Bienal. Ao mesmo tempo em que esta Folha publicava a frase "acabou... a idéia do me dá um dinheiro aí", pronunciada com orgulho pelo sr. Edemar.
O Serra depois abortou a gracinha entre amigos, cortando a verba.
A collorice não acaba aí. A nova baboseira, que já recebeu apoio integral da mídia, inclusive com páginas inteiras deste jornal, é impor ao mundo Oscar Niemeyer, nesta próxima Bienal de Veneza. A Fundação constatou que nosso único arquiteto oficial não faz parte da lista de importantes arquitetos no mundo, o que é verdade, e justo.
Todos o conhecem, já que foi destinatário de dezenas de encomendas de governantes amigos, inclusive Quércia, que o transformaram em arquiteto oficial do Brasil. Quantos outros tiveram a oportunidade incrível de desenhar uma capital inteira?
Niemeyer é conhecido, sim, como um dos muitos produtos de Le Corbusier, e talvez tivesse mais sucesso numa Bienal, já que é considerado mais escultor do que arquiteto.
Mesmo assim, o Edemar irá alugar um palácio em Veneza, promover festinhas bacanas, espalhar matérias pela mídia, posar ao lado do escultor chapa-branca que sufocou o desenvolvimento de novos arquitetos no Brasil e declarar, passando óleo de peroba na cara, que foi tudo um grande sucesso -vide Bienal- e que o mundo agora reconhece Niemeyer como o maior arquiteto vivo.
Pena, para os dois, que ainda vivem arquitetos efetivamente inovadores e por isso reconhecidos. É o caso do sino-americano I. M. Pei, de Philip Johnson, do inglês Richard Rodgers, do dinamarquês Jorn Utzon, do japonês Tadao Ando, do holandês Rem Koolhas, e do californiano Frank Gehry. Mesmo no Brasil existe ainda o Sérgio Bernardes, arquiteto experimental de muito mais interesse.
Chega de Collors. Não podemos ser tão burros a ponto de cair de novo e de novo na mesma conversa. Tentar impor Niemeyer a um mundo que boceja ao pensar nele é obra de alpinistas sociais. Já somos alvo de piadas demais no Primeiro Mundo. Olho vivo. Estamos novamente caindo em lorotas colloridas.

Texto Anterior: Adepto da Libertação reconhece 'excesso'
Próximo Texto: FHC leva a Clinton proposta de socorro a nações pobres
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.