São Paulo, domingo, 16 de abril de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

História começa com pedido de emprego

JOMAR MORAIS; MARTA SALOMON
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O Brasil nem se chamava Brasil e já servia de cenário para a disputa por cargos públicos. O primeiro relato sobre a nova terra, a famosa carta de Pero Vaz de Caminha a d. Manuel, rei de Portugal, em maio de 1500, já incluía um pedido de emprego -o primeiro de uma longa história.
Entre referências à terra "graciosa", com "gente bestial e de pouco saber", o escrivão oficial disparou a solicitação de uma "singular mercê" ao rei para o seu genro, Jorge de Osório.
Fez escola. O fisiologismo trazido com as caravelas prosperou no Brasil colônia, assumiu forma radical no império -quando as famosas "derrubadas" de d. Pedro 2º possibilitavam o loteamento da máquina estatal no revezamento entre os partidos Liberal e Conservador- e alcançou sua feição mais complexa na república.
Distribuir cargos e benefícios entre os coronéis era, nas primeiras quatro décadas do novo sistema, um mandamento seguido à risca por todos os presidentes.
A República Velha caiu, mas, enraizado no inconsciente coletivo da classe política, o hábito de retalhar entre parentes e amigos a máquina de governo não mudou.
Sobreviveu à ditadura Vargas, a partir de 1930, e aos ventos da redemocratização, em 1945.
Ainda em 45, convocado pelos militares para assumir interinamente o governo, após a deposição de Vargas, o presidente do Supremo Tribunal Federal, José Linhares, promoveu um festival de nomeações de protegidos.
Virou motivo de chacota com o refrão: "Não são Linhares, são milhares".
Nos 15 anos seguintes, o que se viu foi praticamente um processo de tomada da máquina pública por cabos eleitorais e protegidos dos caciques do PSD (Partido Social Democrata) e o antigo PTB (Partido Trabalhista Brasileiro).
Jânio Quadros (1961) inibiu por algum tempo a procissão fisiológica ao Palácio. Pagou caro. Ao renunciar, em agosto de 1961, contava com apenas 48 votos num Congresso composto por 389 membros.
Logo a prática fisiológica seria retomada. Com João Goulart, sindicalistas e partidos de esquerda repartiram entre si os muitos institutos de previdência -o filé mignon do fisiologismo da época.
Os políticos seriam submetidos a um jejum de cargos nos tempos do regime militar inaugurado em 1964. Por pouco tempo.
Líder do governo do general João Baptista Figueiredo na Câmara, Nelson Marchezan, ex-PDS, hoje reeleito deputado pelo PPR gaúcho, relembra a fase em que acompanhou de perto o processo de reocupação dos espaços pelos políticos.
Diante da ameaça de aprovação da emenda das diretas-já, o governo militar viu-se forçado a aumentar a sua bancada no Congresso.
A Aliança Democrática que elegeu Tancredo Neves, no Colégio Eleitoral, e sustentou José Sarney no Planalto, a partir de 1985, ergueu-se com uma perna nas manifestações de rua e outra no retalhamento da máquina pública.
O ex-presidente José Sarney enfrentou muitas crises com o Congresso, contornou muitas delas acenando com cargos e favores.
Em 88, garantiu o mandato de cinco anos com nomeações e distribuição de canais de rádio e TV.
Fernando Collor não teve a mesma sorte. Tentou dobrar deputados e senadores e, quando finalmente cedeu, o impeachment já estava nas ruas.
Itamar Franco esqueceu seus discursos radicais no Senado e se entregou à tarefa de matar a sede de aliados por cargos.

Texto Anterior: FISIOLÓGICAS
Próximo Texto: Países ricos têm maior controle
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.