São Paulo, domingo, 16 de abril de 1995
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A tentativa de castrar os municípios

OSIRIS LOPES FILHO

Tem surgido como proposta para a reforma tributária a criação do Imposto Sobre o Valor Agregado (IVA).
Esta idéia tem atrativos. Diminuiria a quantidade de impostos, incidindo sobre o mesmo fato econômico, como ocorre com o Imposto Sobre Produtos Industrializados e o Imposto de Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços de Transporte e Comunicações, tanto na etapa industrial quanto na importação de produtos para o comércio interno.
Pretende-se que o IVA absorva o imposto sobre serviços de qualquer natureza, da competência dos municípios. Eis aí, aparentemente, uma grande simplificação e racionalização. A fusão de três impostos (IPI, ICMS e ISS) em um só.
A tecnologia modernizante alega que se adotaria a técnica do valor agregado, há muito usada na União Européia e, hoje, em quase todos os países da América Latina.
Seria o Brasil seguir o modelo que empolga o Ocidente e facilitar a harmonização tributária internacional, componente dos processos de integração econômica, principalmente no âmbito do Mercosul.
Em realidade, estar-se-ia copiando o modelo francês da TVA (Taxe sur la Valeur Ajoutèe). A França, no início da década de 50, introduziu esse imposto, abraçado pelos seis países do então chamado Mercado Comum Europeu.
Essa influência não é estranha ao Brasil. Em 1958, no então Imposto de Consumo, de competência da União, para eliminar a tendência à verticalização do processo produtivo do país, em um único estabelecimento, em face do efeito em cascata deste imposto, foi introduzido no seu âmbito, parcialmente, a técnica da não-cumulatividade, que, não sendo idêntica à do valor agregado, possui efeitos semelhantes.
Posteriormente, em 1965, através da emenda constitucional nº 18, foram previstos dois impostos sobre vendas de natureza não-cumulativa, isto é, tributos que evitam o efeito cascata: o Imposto de Consumo, posteriormente batizado de IPI, e o ICM.
Estas inovações, pela sua racionalidade econômica, propiciaram as condições para a alavancagem da industrialização no país, principalmente das montadoras, eis que são impostos neutros em face da multiplicidade de fases da industrialização e comercialização.
Foram ainda criadas as condições para a prosperidade da exportação de manufaturados, pela possibilidade de desoneração adequada da carga tributária.
Mas na emenda nº 18/65 não se copiou a técnica do imposto francês, que incide sobre mercadorias e serviços. Foi uma decisão sábia e peculiar à nossa realidade.
Criou-se o ISS, da competência dos municípios, incidindo sobre os serviços em geral. E isso foi feito em função do federalismo, com o objetivo de propiciar uma fonte poderosa de arrecadação aos grandes e médios municípios.
Sabe-se que os serviços são elementos que mais crescem nas contas nacionais. Representam hoje cerca de 60% do PIB. Com o ISS fortaleceu-se a autonomia municipal pela atribuição de um imposto de alta rentabilidade.
O município que antes da Constituição de 88 era dotado de autonomia, agora é integrante do pacto federativo. O seu status político alterou-se qualitativamente.
Surge agora uma proposta de retirar da competência dos municípios o ISS. É um retrocesso e um atentado à federação. A Constituição veda o prosperamento deste tipo de emenda.
Não pode haver maior atentado à autonomia e independência dos municípios do que lhes retirar essa fonte de receita, comprometendo-lhes a disponibilidade financeira para a adequada prestação dos serviços públicos essenciais.
A política a ser adotada é a do fortalecimento municipal e não a sua debilitação financeira e política. É a hora e a vez dos municípios, para que possam cumprir suas atividades essenciais, em benefício da comunidade.

OSIRIS DE AZEVEDO LOPES FILHO, 55, advogado, é professor de Direito Tributário e Financeiro da Universidade de Brasília e ex-secretário da Receita Federal.

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