São Paulo, domingo, 16 de abril de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Ferida auto-infligida

PAUL SINGER

Ferida auto-infligida
O Plano Real está muito mais suscetível perante a persistente saída de capitais do país do que precisaria estar, não fosse por erros fatais de julgamento, cometidos por ocasião de sua passagem à terceira etapa, a da introdução do real.
Semelhantemente aos planos de estabilização do México e da Argentina, também o do Brasil usaria como meio principal a importação maciça de produtos a uma taxa cambial "estável", para forçar a estabilização dos preços internos. O problema era definir uma taxa cambial que pudesse ser "estabilizada" sem provocar desequilíbrios no balanço de pagamentos, que se tornariam insustentáveis em prazo médio.
Era previsível então que a inflação seria baixa mas não zero e que seu efeito acumulado, face a um preço "estabilizado" do dólar, seria estimular o aumento das importações e a diminuição das exportações.
Isso teria de ser assim porque a inflação eleva o preço dos produtos nacionais que competem com os importados, cujo preço em reais estaria "estabilizado", e ela eleva o custo dos produtos exportados em reais, ao passo que o seu preço também em reais estaria "estabilizado" pela imóvel taxa de câmbio.
O lógico nessa situação seria desvalorizar preventivamente o real para dar à taxa de câmbio um colchão que amortecesse o efeito da inflação residual por muitos meses. Esta desvalorização deveria ser pequena para que não contaminasse os novos preços em reais, provocando uma indesejável inflação relativa. Ou, conforme se julgasse a elasticidade dos preços ao câmbio, ela poderia ser até nula, traduzindo-se a taxa vigente de 1 URV - US$ 1 na taxa esperada de R$ 1 = US$ 1.
Mas o que o Banco Central fez foi deixar que o mercado cambial de curto prazo, fortemente pressionado por entrada intensa de capitais, encontrasse uma taxa cambial de equilíbrio, a qual acabou sendo de R$ 0,85 = US$ 1,00.
Esta decisão só poderia ter por base a idéia de que a referida entrada de capitais no Brasil continuaria por muitos meses, fornecendo divisas para pagar um déficit comercial acrescido por amplo déficit na balança de serviços.
Obviamente, este foi o erro fatal de julgamento, ao qual se somou um segundo que foi o de não reconhecer logo que, antes ainda da crise do México, o fluxo de capitais estava mudando de sentido e começava a sair dos "mercados emergentes latinos".
Este fato era conhecido, tanto assim que o Banco do México deixou que suas reservas cambiais se esgotassem, convertendo pesos em dólares para os capitais em fuga, antes de mexer na taxa de câmbio, com as consequências que todos conhecemos. Mas a equipe econômica meteu a cabeça na areia e proclamou que o Brasil não é o México, na vã esperança de convencer os investidores a manter seus capitais aqui e trazer mais.
É que os investidores, sabendo que a âncora cambial do plano estava escorada na entrada maciça de capitais, que estava mudando de sentido, resolveram aproveitar a taxa cambial que barateava o dólar para sair do Brasil, antes que a esperada desvalorização do real acontecesse.
A equipe econômica perdeu meses e bilhões de dólares preciosos, enquanto o plano sangrava de ferida auto-infligida. Só em março o Banco Central deu o braço a torcer, após tentar negar que a nova taxa cambial estava causando crescente déficit comercial, que em pouco tempo, junto com os déficits de serviços e de capitais, destruiria a reserva cambial brasileira. A direção do BC anunciou uma desvalorização paulatina do real, o que em si era correto, mas na realidade desmoralizava a equipe econômica porque ela tinha reiterado o tempo todo que isso jamais aconteceria.
Mais do que a confusão causada pelo anúncio de um sequência de bandas, o que desencadeou a corrida contra o real três dias depois foi a convicção de muitos investidores de que a ala do dólar poderia eventualmente ser antecipada e ampliada por um pânico. E este somente foi superado por uma elevação imediata do preço do dólar, seguida por vendas maciças de divisas pelo Banco Central.
Agora, num esforço patético para reconquistar a confiança dos investidores, a equipe resolveu calçar a atual taxa de câmbio "por longo tempo" num aumento enorme das tarifas aduaneiras que gravam os produtos que mais pesam na pauta de importações.
Esta manobra canhestra deverá reduzir a importação de automóveis e eletrodomésticos e quem sabe eliminar transitoriamente o déficit comercial. Mas seu custo em termos de estabilização não é pequeno.
Volta o predomínio dos oligopólios, em medida maior do que antes do Plano Real, o que vai resultar em aumento dos preços destes produtos, com impacto positivo sobre a inflação. O que agrava ainda mais os efeitos da taxa cambial (preço do dólar em reais) que ainda é muito baixa, de modo que as importações dos outros produtos vão continuar crescendo e as exportações vão continuar caindo, o que faz com que os investidores continuem retirando capitais do país.
E o que a equipe vai fazer agora? Como negar aos outros ramos industriais a proteção dada aos fabricantes de alguns bens duráveis? Como evitar que os exportadores desistam de operar no exterior devido ao fato de os seus produtos se tornarem cada vez mais gravosos?
O Plano Real afinal teve um início auspicioso e acumulou créditos que deveriam lhe permitir preservar a estabilização lograda com custos econômicos e políticos assimiláveis. Mas isto exige do governo uma postura mis franca e humilde perante a opinião e o mercado do que a que tem adotado até aqui.
Mais do que cobrar erros passados, o que se espera dos responsáveis pelo plano é que não persistam neles. O tempo agora trabalha contra o plano.

Texto Anterior: Defesa do mínimo; Quem gostou; Quem não; Sem fermento; Carregando nas cores; Rombo das seguradoras; Faturando alto; Fora das prateleiras; Nome próprio
Próximo Texto: Pacote japonês não entusiasma mercados
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.