São Paulo, domingo, 16 de abril de 1995
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O crime da Aids

HÉLIO SCHWARTSMAN

SÃO PAULO - Em uma pequena cidade cravada no interior desse imenso país, ocorreu esta semana um fato judicial inédito -a condenação criminal de uma portadora do vírus HIV que teria contaminado conscientemente seus parceiros sexuais.
A decisão inédita aproxima o Brasil dos países civilizados, especialmente dos Estados Unidos, onde o Poder Judiciário é particularmente sensibilizado por esse tipo de ocorrência. A proximidade, entretanto, acaba aí.
Infelizmente, ao lado da ousadia da decisão judicial não podemos observar nenhum avanço significativo no combate à disseminação da doença mais cruel deste século.
O sistema de saúde do país está em franco colapso e a televisão não pára de exibir cenas de crianças e velhos morrendo por falta de atendimento nos corredores dos hospitais da rede pública.
Com relação à Aids, a timidez do Estado tucano é estarrecedora. Há meses não se vê na televisão uma única inserção acerca das inúmeras maneiras de se prevenir a doença. Ainda existem no Brasil pessoas que desconhecem até como se utiliza uma camisinha.
Selma Regina de Jesus, a condenada, provavelmente é vítima da desinformação e da irresponsabilidade com que as autoridades de saúde tratam o problema. Este fato, com toda a certeza, não foi levado em consideração pelo Poder Judiciário ao proferir a sentença. Tampouco a sua condição de prostituta e a impossibilidade de que tivesse total consciência do perigo que representava a sua conduta sexual.
Decisões como essa, representativas da posição que tradicionalmente o Poder Judiciário adota em relação às questões que extravasam os limites de um caso isolado, podem impressionar positivamente a opinião pública norte-americana, habituada a aplaudir veementemente o reestabelecimento da Justiça.
No Brasil, porém, decisões dessa ordem dão o que pensar. Será que a jovem Selma Regina tem recebido tratamento e orientação adequadas? Será que tem acesso a medicamentos caros como o AZT? Será que não seria o caso de, ao invés de condená-la, ajudá-la? Ou será que tudo não passa de preconceito?

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