São Paulo, domingo, 16 de abril de 1995
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É batendo que se recebe

GILBERTO DIMENSTEIN

BRASÍLIA - Preso não vota. Por que, então, um deputado teria interesse em indicar um diretor para administrar um presídio? Essa pergunta é respondida hoje na Folha -e ajuda a explicar por que Fernando Henrique Cardoso está apanhando tanto e em tão pouco tempo no Congresso, arranhando a imagem de eficiência de seu governo.
Líder do PTB na Câmara, o deputado Nelson Trad descobriu os encantos eleitorais de um mísero cargo de diretor de presídio em Mato Grosso do Sul. " Preso não vota, mas tive grande votação entre os familiares dos presos", ensina.
Presidente da Comissão de Seguridade da Câmara, o deputado Roberto Jefferson imagina que o filão mais cobiçado é a Comunidade Solidária. "O que tem de gente querendo indicar. É para conseguir cadeira de roda, muleta, credenciamento de creche. Isso vai ser uma máquina de fazer voto."
O fato: estão em jogo cerca de 21 mil cargos a serem preeenchidos por Fernando Henrique Cardoso. Para muitos deputados e senadores, morder esse patrimônio é a chance de assegurar a reeleição. Ou dar asas a projetos ambiciosos.
Vale tudo: um diretor amigo em alguma companhia de telecomunicações pode se traduzir em orelhões ou postos telefônicos em suas zonas eleitorais.
Há evidências de que esse ambiente de cio fisiológico contamina o clima no Congresso. E, óbvio, acaba influindo nas votações. Foi assim, por exemplo, que a bancada ruralista ganhou aliados. Ou se aprovou no Senado a limitação dos juros a 12% ao ano.
Assessores presidenciais despejam um raciocínio cínico e pragmático: a fisiologia é um preço ridículo a se pagar diante da necessidade de aprovação da reforma constitucional. Ouvi de um íntimo assessor de Fernando Henrique Cardoso o seguinte desabafo: "Estamos descobrindo que o excesso de moralismo e honestidade é paralisante e, às vezes , muito caro".
Tradução: o governo vai se submeter ao "é dando que se recebe", tão negado nos discursos de campanha.
PS - Lamento informar: enquanto tivermos esse nível de pobreza e deseducação, não adianta culpar só os políticos. A fisiologia mais rasteira será apenas uma óbvia consequência de quem troca votos por favores.

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