São Paulo, segunda-feira, 17 de abril de 1995
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Belfort Roxo é aqui

MARCELO BERABA

SÃO PAULO - No final da década de 70, Belfort Roxo, na Baixada Fluminense, era considerado o lugar mais violento do mundo.
Os jornais citavam um suposto estudo da ONU que nunca vi publicado. Verdadeiro ou não o estudo, o fato é que o número de execuções em toda a região de Nova Iguaçu era altíssimo.
Era uma época de mitos. Um deles dizia que os esquadrões-da-morte só matavam bandidos. Não era verdade.
Um levantamento feito em 1980, em delegacias da Baixada, mostrou que a maioria absoluta das vítimas de um destes grupos -batizado de Mão Branca- era de trabalhadores pobres que saíam de casa de madrugada, marmitinha debaixo do braço, para enfrentar duas horas de condução até o trabalho.
A idéia, no entanto, de que estes grupos estavam "limpando" uma região infestada de bandidos -tão violenta que merecia a atenção das Nações Unidas- criava um ambiente de tolerância.
E a tolerância -dos vizinhos, da sociedade, da Justiça, do Ministério Público, da polícia- gerava impunidade e estimulava a ação dos grupos de extermínio (formado, aliás, por policiais).
Isso tudo vem a propósito de mais três chacinas na Grande São Paulo. Levantamento da Folha mostra que foram 13 apenas este ano. Na maioria dos casos, a polícia tem sido incapaz de identificar e prender os culpados.
A postura da polícia paulista lembra aquela da Baixada Fluminense. A cada assassinato, em vez de tomar providências imediatas para prender os assassinos e inibir os chamados justiceiros, sua primeira atitude é julgar os mortos e condená-los como traficantes.
Não sei qual é, hoje, o município mais violento do mundo. Mas sei que a periferia pobre de São Paulo com certeza disputa o título.
Como a Belfort Roxo dos anos 70, a região tem problemas sociais graves e graves deficiências na polícia e no sistema judiciário.
O país se desenvolveu e se democratizou. As benesses do capitalismo e do Estado de Direito não chegaram, no entanto, às periferias, que continuam sujeitas à barbárie.
A equação é fatal: a tolerância e a incompetência geram a impunidade, que gera o aumento da violência, que atinge principalmente os trabalhadores pobres. Não tem erro.

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