São Paulo, segunda-feira, 17 de abril de 1995
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Jesus ou ovo de Páscoa?

JOSIAS DE SOUSA

BRASÍLIA - Penso na Páscoa e sou assaltado por duas imagens. Primeiro, vejo Jesus em sua cena mais dramática: braços abertos, cabeça pendida, grudado à enorme cruz. Depois, enxergo d. Paulo Evaristo Arns, fronte serena, adocicada.
Contabilizei duas imagens e já me corrijo. Não são duas, mas quatro. Minha vista alcança outro par de cenas. Contemplo a ressurreição de Cristo. E, logo a seguir, d. Paulo em animada entrevista, na última quarta-feira.
As imagens se fundem. Enquanto o Nazareno ressurge em meio à luz, d. Paulo fala de política aos jornalistas. Derrama sobre gravadores e microfones uma homilia de críticas ao governo.
Comporta-se como pedreiro que, tendo diante de si cimento e areia, resolve costurar um vestido. D. Paulo tinha Jesus e preferiu falar de Fernando Henrique.
Depois de condenar a baderna de Recife, doce, sempre doce, praticamente afagou os agressores do presidente. Escorando-se na carta do apóstolo Paulo aos romanos, disse: "Para quem ama, tudo concorre para o bem. Se Fernando Henrique ama o Brasil, essas pedras e paus podem fazê-lo amar mais o Brasil".
Poderia ter recorrido ao capítulo 13 da mesma carta de Paulo aos romanos, dedicado à "submissão às autoridades". Mas preferiu postar-se, em espírito, ao lado dos baderneiros.
Na sexta-feira, vejo d. Paulo no Boris. E nada do Cristo. Ontem, domingo de Páscoa, leio d. Paulo na Folha. Procuro, sedento, uma menção ao Salvador, uma concessão à ressurreição. Nada.
Fico sabendo por d. Paulo que "não tem mais nenhum padre por aí que não seja contra o neoliberalismo". Tomo conhecimento de que considera a camisinha "um mal menor". Mas nem sinal do nosso protagonista.
Submetida a uma realidade agnóstica, cruel, a ritualística da Igreja vai perdendo o seu vigor. Não demora e os cristãos estarão se perguntando quem veio primeiro, se Jesus ou o ovo de chocolate.

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