São Paulo, terça-feira, 18 de abril de 1995
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Outras reformas

JANIO DE FREITAS

Embora saíssem do regime militar muito mais desgastados do que o Congresso, os militares se recuperaram na opinião pública muito mais depressa do que os parlamentares. Fizeram por isso, não há dúvida, ainda que mais pelo não-fazer: pelo silêncio. Mas também é verdade que os parlamentares têm pago pelos seus vícios e por vícios alheios -legados pelo regime militar.
Em dez anos da chamada redemocratização, os parlamentares não aprenderam ainda (ou não quiseram) a distinguir as reivindicações fisiológicas e aquelas que, mais do que o direito, têm o dever de apresentar aos ministros e ao presidente, como intermediários das regiões que os elegeram. Neste dever cabe, sob certas condições, até a reivindicação de cargos, que são instrumentos de política tanto do governo como dos partidos. Mas grande quantidade de parlamentares tem feito do dever um passaporte para a esperteza -e o Congresso sofre os efeitos como instituição.
A visão que os militares tinham do Congresso encontrou seu meio de perpetuação nas pessoas dos presidentes civis, exceto só Itamar Franco. O vício de atacar o Congresso, para lançar sobre ele responsabilidades que a opinião pública identifica (em geral, com pleno acerto) nos próprios presidentes, ou nos seus governos, até agora não produziu um só resultado positivo, seja em que momento e para que lado for. O vício rasteiro não impediu a desmoralização de Sarney, a derrocada de Collor e não está livrando Fernando Henrique da decepção recordistamente generalizada. Mas tem efeitos maléficos, incalculáveis, sobre a difícil regeneração da atividade política: se o Congresso é um banco de interesses patifes, os que a ele aspiram são todos iguais, não tendo o eleitorado razão para empenhar-se a fundo pela seletividade.
A insignificância do Congresso no regime militar resultou, feita a dita redemocratização, no vício da imprensa brasileira de depreciá-lo e responsabilizá-lo por todos os males. Nisto há boa dose de outro vício legado pelo regime militar: o do oficialismo, que impregna e deforma o jornalismo brasileiro, levando-o a supervalorizar o Executivo, nas pessoas do presidente e dos ministros, e desprestigiar o Congresso.
Note-se, neste sentido, o primitivismo jornalístico que persegue cada minuto e cada palavra de um presidente e dos ministros, mas nenhum jornal cobre as atividades do Congresso, senão em um ou outro fato bem delimitado. Quem discursou, o que disse, que projetos foram apresentados, debatidos ou votados -de nada disso o leitor-eleitor fica sabendo em dia algum.
A visão que se está difundindo da tramitação das reformas, no Congresso, curva-se à ação dos vícios que os atingem de dentro e de fora. Alterar uma Constituição feita com legitimidade é, por si só, algo sério demais para ser realizado com ligeireza. E muito mais sério se as modificações ferem direitos, a vida mesma, de dezenas de milhões de pessoas e, outras, envolvem o patrimônio da nação e o seu futuro.
A imprensa brasileira tem reagido, no entanto, como se o Congresso devesse receber as propostas do governo em um dia e aprová-las no dia seguinte. Não sendo assim, o Congresso está fugindo à sua responsabilidade e traindo o país. Se, porém, a reforma fosse para introduzir alguma censura à imprensa ou às TVs, por exemplo, a reação seria a de exigência do debate exaustivo, da decisão amadurecida pelo exame de todos os aspectos da medida.
Dentro e fora do Congresso há mais reformas a serem feitas, e com maior necessidade, do que as propostas para a Constituição.

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