São Paulo, terça-feira, 18 de abril de 1995
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'Não sei se aguento 1 ano', diz governador

DA FOLHA SUDESTE

A seguir a íntegra da discussão entre o governador Mário Covas e as duas professoras:

Pergunta (última pergunta dos repórteres) - A manifestação dos professores deixa o senhor de baixo astral?
Covas - De maneira alguma. Eu briguei a vida inteira. Esse povo também tem o direito de fazer isso. Até me dá uma satisfação ao saber que eles aproveitaram a oportunidade para fazer a manifestação. (Covas se dirige à imprensa) Com vocês está tudo encerrado.
Ana Margarida de Brito - Aproveitando esse direito democrático, eu só queria saber se a gente pode ter esperança?
Covas - Vocês é (sic) quem sabem. (Ela levanta um panfleto assinado por Covas durante a campanha para o segundo turno das eleições do ano passado. Na carta, ele pede apoio para os profissionais de educação e afirma que durante sua passagem pela Prefeitura de São Paulo a educação foi prioridade).
Ana Margarida - Essa assinatura é sua?
Covas - É minha.
Ana Margarida - Ela (assinatura) vale alguma coisa?
Covas - Não. Não. Não. Você me pergunta se minha assinatura vale. Isso não merece resposta. É a mesma coisa que eu perguntar se a sua vale.
Ana Margarida - Nós já estamos em abril.
Covas - O que é que tem?
Ana Margarida - Já estamos em abril.
Covas - Você esperava que nos primeiros três meses eu fizesse tudo?
Ana Margarida - E o seu programa de governo?
Covas - Eu vou cumpri-lo, mas em nenhum instante do programa de governo está que tudo seria definido em dois meses.
Ana Margarida - Não há planejamento para as escolas.
Covas - Me faça um favor. No fim de governo, a senhora me fale se foi cumprido ou não. Eu nunca prometi nada no primeiro ano de governo. Eu já fiz pra vocês neste ano mais do que vocês tiveram no ano passado.
Ana Margarida - Nós merecemos decência e dignidade?
Covas - Eu não estou tirando a dignidade de vocês.
Ana Margarida - Nós queremos manter o nível.
Covas - Vamos negociar salário, vamos negociar trabalho, vamos negociar muita coisa. Aliás, o primeiro decreto que eu fiz como governador foi determinando à secretaria que iniciasse as negociações com as entidades do magistério para discutir o plano de gratificação de cargos. Agora eu não disse em nenhum instante, nem na campanha, nem no documento, que em dois meses resolveria o problema, nem em dez anos.
Ana Margarida - Tem muita gente que não vai aguentar um ano.
Covas - Bom. Tudo bem. Filha, eu também não sei se aguento um ano. Eu encontrei o problema um pouco pior do que gostaria de ter encontrado.
Ana Margarida - Você não vai morrer de fome nem por falta de moradia?
Covas - É possível que não.
Ana Margarida - Esse é o nosso caso.
Covas - Eu só posso dividir o problema com você. Mais nada. De resto não é meu. O resto pertence ao povo de São Paulo.
Ana Margarida - Há alguma outra proposta para os professores?
(O governador se vira. Aproxima-se a professora Delza Maris Frare Chamma. A manifestação grita em coro "mentiroso")
Delza Maria Frare Chamma - Me responde uma coisa.
Covas - Não vou responder.
Delza - Respeite o meu direito.
Covas - Respeite o meu. Vocês estão me chamando de mentiroso.
Delza - Governador, sempre acreditei no senhor. Agora não dá mais. Como o senhor se sente hoje traindo a confiança da escola pública?
Covas - O que a senhora sugere que eu faça?
Delza - Essa carta, governador. Como o senhor explica isso. Eu a recebi no segundo turno.
Covas - (Lê trechos do panfleto). Quando fui prefeito da capital, em 33 meses, abrimos 178 mil novas vagas na pré-escola e no 1º grau, construindo 74 novos prédios escolares. Reestruturamos e aumentamos o salário real dos professores 67%. Como que a senhora quer que eu faça isso em dois meses?
Delza - Governador, o senhor vai esfacelar nosso salário.
Covas - De você não. De todo o mundo.
Delza - As políticas sociais estão abaixo de tudo. O senhor prioriza o empreiteiro.
Covas - Mas, como?. Eu encontrei o Estado com...(ela não deixa o governador responder)
Delza - Eu não entendo como o Quércia e o Fleury não estão presos.
Covas - Bom. Isso eu também não entendo.
Delza - Estamos falando da escola pública e não de escola particular.
Covas - Pelo amor de Deus.
Delza - Por R$ 154,00 por 24 horas-aula eu posso continuar na escola pública?
Covas - Não é isso.
Delza - Tenho o meu holerite aqui. Quer ver?
Covas - Não. Não quero.
Delza - Governador, pense em uma proposta digna.
Covas - Proposta, já fiz quatro. Vocês é que não fizeram nenhuma. Vocês querem negociação, mas não negociam. (Covas sai e é cercado pelos manifestantes, enquanto se dirige ao veículo oficial. No trajeto de 40 metros é vaiado e chamado de sem vergonha, corrupto.)

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