São Paulo, terça-feira, 18 de abril de 1995
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Colóquio em Paris discute futuro do cinema

CARLOS DIEGUES
ESPECIAL PARA A FOLHA

Daqui a mais cinco anos, seremos todos conhecidos, os melhores e os piores, como "aqueles artistas do século passado". Para nós, cineastas, a qualificação terá duplo e perigoso sentido -tanto pode significar que começamos nossas carreiras no século 20, quanto que ficamos inscritos no cinema que se fazia em seu primeiro século de existência.
Essa angústia desmente o triunfalismo das palavras de Bertrand Tavernier, cineasta francês e presidente do Instituto Lumière, quando encerrou, em Lyon, as festas de 19 de março citando trecho de um artigo de jornal sobre o primeiro filme, publicado na estréia deste, em 1895: "Com o avento da imagem que não é mais imóvel, a morte cessará de ser absoluta". Conforme podemos ver, os primeiros críticos eram muito mais simpáticos.
Em nome dessa pretensão de vender a morte, a associação Premier Siècle du Cinéma (Primeiro Século do Cinema), mantida pelo governo francês, organizou colóquio internacional de dois dias (20 e 21 de março), em Paris, com a participação de cineastas, artistas, intelectuais, cientistas e até políticos, sobre um muito vasto tema: "Le Cinéma Vers Son Deuxième Siècle" (O Cinema em Direção a Seu Segundo Século).
Não há dúvida de que o cinema é a arte sobre a qual mais se fala, em todo o mundo e em todos os tempos. O prazer de contar um filme a um amigo ou namorada, é quase tão vital quanto vê-lo.
Dizem que André Breton, o poeta e mestre surrealista, costumava entrar em vários cinemas por dia, vendo alguns minutos de cada filme. Depois, juntava a memória de todos e contava, à sua turma, um filme que só ele viu.
Foi sem dúvida nessa mesma França, que refletir sobre o cinema se tornou uma verdadeira arte, tão complexa quanto a própria fabricação de um filme.
Aliás, outro dia, Walter Lima Jr. lembrou, aos que não resistem a uma certa solenidade, que o cinema nasceu num modesto parque de diversões. Gostaria de acrescentar que, além do parque de diversões (com Edison, nos Estados Unidos), foi também berço desse espetáculo os fundos de um botequim (com os Lumière, na França). Podemos, assim, dizer que o cinema é primo-irmão da roda-gigante e da conversa fiada.
A ambição do colóquio era extrema: "Questionar (...) o que o cinema foi, o que ele não é mais e o que parece estar se tornando". Seis mesas-redondas e uma sessão de encerramento. Todas no histórico Théâtre de l'Odéon, não foram suficientes para responder às ambiciosas questões e, creio, geraram muito mais pânico que certezas sobre o fim da morte absoluta.
Vejam só a multiplicidade de trilhas, pelos temas de cada mesa: "O Mundo do Qual o Cinema Nos Fala"; "O Cinema da Realidade à Realidade Virtual"; "O Cinema e as Outras Artes"; "Do Herói Coletivo ao Protagonista Narcisista"; "Um Entretenimento de Massas"; "Uma Forma de Entretenimento Entre Muitas Outras". E, por fim, a pergunta fatal: "Por Que Fazer Filmes Hoje e Para Quem?"
Logo no primeiro dia, o historiador Marc Ferro, da École des Hautes Études en Sciences Sociales, autor de célebre livro sobre as relações entre cinema e história, não fez por menos: o cinema se tornou o instrumento pelo qual viemos a compreender o mundo e nossa sociedade.
Na mesa seguinte, o filósofo Alain Rénaut, especializado em comunicação, afirmava que o cinema francês tinha perdido essa qualidade, por se recusar a acompanhar certas novidades da revolução "médiatique".
Abbas Kiarostami, cineasta iraniano, apresentou texto sobre sua generosa teoria do "cinema fabricado pela metade", digamos de meia-confecção, que só se completa pelo olhar do espectador.
Olivier Assayas, jovem realizador francês, até recentemente um dos editores da "Cahiers du Cinéma", chocou alguns acadêmicos com a idéia de que a história do cinema nem sempre pode ser contada pelos seus filmes mais "artísticos".
O produtor Marin Karmitz acusou a televisão de baixar o nível de qualidade dos filmes e atentar contra a existência do cinema.
René Bonnel, dirigente do Canal Plus, a maior rede de TV a cabo da Europa, respondeu criticando os cineastas que não pensam no público.
Lars Von Trier, realizador dinamarquês do brilhante "Europa", lançou agressivo manifesto por um "cinema puro", atirando panfletos sobre a platéia do Odéon.
Alain Le Diberder, agregado em ciências sociais, especializado em questões audiovisuais e novas tecnologias, explicou a importância e a modernidade dos videogames, alertando para o crescente caráter autoral dos jogos eletrônicos.
Miguel Littín (Chile), Gaston Kaboré (Burquina Faso), Raoul Peck (Haiti), Youssef Chahine (Egito), falaram da desgraça que é querer fazer filmes em seus países.
Judit Elek (Hungria), Lucian Pintilié (Romênia), Krzysztof Zanussi (Polônia), Andrei Smirnov (Rússia), choraram a decadência da produção cinematográfica do outro lado do muro caído.
Em certos momentos, parecia até reunião da Abravi ou da Apaci, nossas entidades de classe. No bom e no mau sentido.

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