São Paulo, terça-feira, 18 de abril de 1995
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Franceses são pouco otimistas

CARLOS DIEGUES
ESPECIAL PARA A FOLHA

E o futuro? Segundo os franceses, ele não é nada risonho.
O teórico Régis Debray foi um dos primeiros a deplorar a próxima morte do cinema e, sobretudo, das salas de exibição, que ele considera lugar democrático por excelência.
Daniel Toscan du Plantier, polêmico presidente da Unifrance, tentou trazer um certo humor ao velório, afirmando que as TVs a cabo e paga recolocam, por assim dizer, a caixa registradora entre a tela e o público, reproduzindo o tipo de comércio que fez a grandeza da indústria cinematográfica.
Mas a atriz Isabelle Huppert insistiu em que tudo estava acabado, que a única resistência possível é fazer filmes para si mesmo. A meu lado, Stephen Frears sussurra que, se fizer isso, morre de fome.
Vítima da televisão, das novas tecnologias eletrônicas e digitais, da insensibilidade dos governos e da ingratidão do público, mais ou menos nesta ordem, o cinema não sobreviverá -é o que dizem muitos que, mesmo não sendo todos, são os que mais impressionam pelo vigor dramático de suas palavras. Em alguns casos, pelo desespero.
Na tarde do último dia de colóquio, antes da mesa-redonda final e do jantar que o presidente François Mitterand ofereceu aos participantes, esses sentimentos introduzem certa melancolia no sucesso do encontro.
A última sessão, onde alguns cineastas franceses e estrangeiros responderam à pergunta "Por que fazer filmes hoje e para quem?", foi aberta com o coordenador da mesa, Constantin Costa-Gavras, lendo carta de Jean-Luc Godard que se desculpa por não ter podido comparecer, devido a forte gripe.
Todos riem da gripe de Godard. Mas, tendo visto seu último filme, "JLG/JLG", me lembro de seu aspecto físico e me pergunto se ele não deve estar mesmo gripado. Vocês me entenderão, quando virem o filme.
Godard diz ainda que gostaria de estar presente para conhecer pessoalmente o cineasta do Mali, Souleymane Cissé, que está entre nós.
Alguns outros cineastas enviaram mensagens, explicações e desculpas, entre eles Martin Scorsese e Steven Spielberg. Penso, cá comigo, que Spielberg não pôde vir discutir a política internacional das "majors", porque deve andar um pouco ocupado, tratando de fundar uma (a DreamWork SKG).
Com a carta de Godard, o primeiro cineasta a falar não podia deixar de ser o sereno Cissé, realizador de pelo menos uma obra-prima, ..............
Depois, o português Manoel de Oliveira, velho mestre de filmes admiráveis como "Não ou a Vã Glória de Mandar", a obra de arte que melhor me fez entender Portugal e, por tabela, um pouco mais de nós mesmos.
James Gray, o talentoso jovem diretor de "Little Odessa", renovou as esperanças no inesperado, lembrando que, no início dos anos 60, seria considerado maluco quem dissesse que a música popular sofreria uma revolução radical, provocada por quatro rapazes vindos da sombria Liverpool.
Stephen Frears (Inglaterra), Amos Gittai (Israel), Andrei Konchalovski (Rússia), Jean-Jacques Beinex (França), e eu mesmo, completamos as intervenções, numa perspectiva pessoal, muitas vezes até biográfica e confessional.
À noite, o presidente Mitterand recepcionaria os participantes do colóquio com discurso comovente sobre as artes na história dos povos, sublinhando o significado da batalha em que o cinema se encontra empenhado e o que ele julga ser o papel da França em tudo isso, associada a seus parceiros europeus e a seus amigos de outros continentes.
O presidente garantiu a continuidade do programa "Televisão Sem Fronteiras", proposto pela França à Comunidade Européia, para garantir a independência e a identidade de seus meios de comunicação, bem como de outras políticas para o audiovisual.
Ele citou filmes e cineastas, referiu-se a novos suportes e tecnologias, especulou sobre o segundo século do cinema, com a desenvoltura de quem conhece o assunto.
Mesmo no o caso do poder (ele termina seu mandato num par de meses) e com a saúde abalada (dizem os jornais que o velho presidente está muito mal), Mitterand ainda quer saber para onde vai o futuro.

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