São Paulo, terça-feira, 18 de abril de 1995
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O discurso de FHC nos EUA

GUILHERME AFIF DOMINGOS

A globalização da economia está trazendo inquestionáveis benefícios para a humanidade, mas torna as empresas e os governos mais vulneráveis aos cataclismas financeiros. O chamado capital especulativo -uma montanha de US$ 13 trilhões que gira pelo mundo numa velocidade vertiginosa, cruzando as fronteiras dos países até várias vezes por dia- é aquilo que poderíamos chamar de capital sem mãe, nem pai, nem pátria.
Para este capital, não existem países, mas sim oportunidades de ganho. Ele só fica num determinado lugar enquanto estiver engordando. Ao menor sinal de turbulência, migra como andorinha para outro arraial, geralmente deixando um rastro de desgraças. Assim aconteceu com o México, com a Argentina e, em menor escala, está ocorrendo no Brasil, que nas últimas semanas deixou evadir mais de US$ 6 bilhões.
Mas não podemos nos iludir: daqui para frente, será inevitável conviver com o "hot money", os derivativos, o "day trading" e outras modalidades de roletas financeiras. Embora não tenha a mesma qualidade dos investimentos diretos na produção, o capital especulativo é importante para as economias das chamadas nações emergentes: ajuda a financiar parte da dívida pública dos governos e supre as empresas de empréstimos de curto prazo.
Economistas defendem a criação de mecanismos para controlar esse fluxo de dinheiro transnacional que pode fazer a festa ou a desgraça de um país, como o imposto sobre as movimentações desse capital, idealizado pelo prêmio Nobel de Economia, James Tobin. Mas muitos outros economistas, como o festejado John Kenneth Galbraith, consideram inviável qualquer instrumento para regular o tráfego deste capital pelo mundo.
Qual a solução, então, já que é inevitável a convivência com o capital errante?
Não há a menor dúvida de que o "hot money" não traz maiores problemas para os países com uma economia estável e bem administrada. Países que mantêm o equilíbrio de suas contas, combatendo os déficits e criando superávits nas transações correntes. Se a economia de um país vai bem, o capital especulativo esquenta lugar e, o que é melhor, traz junto os investimentos na produção. Se a economia do país começa a soçobrar, os especuladores abandonam o barco.
Há, ainda, um outro fator para reflexão. Os próprios especuladores também estão apreensivos com desastrosas operações de alto risco com empresas (vide o caso do tradicional Banco Baring, da Inglaterra) e com os governos (o caso do México) e começam a procurar novas oportunidades de investimentos mais seguros.
É justamente aqui que entra o Brasil.
O Brasil tem condições privilegiadíssimas para segurar este fluxo de capital: é um mercado continental e tem abundância de recursos, o que falta, por exemplo, a certos tigres asiáticos. Além disso, tem um parque industrial diversificado e uma classe empresarial criativa e empreendedora -uma das carências do Leste Europeu, onde a iniciativa privada foi dizimada por décadas de centralismo totalitário, Como já disse o economista e deputado Roberto Campos, isso não se improvisa.
Há outras vantagens comparativas: o Brasil ainda tem um lote de bilionárias estatais que, privatizadas, podem injetar bilhões e bilhões de dólares na economia.
No momento em que as portas se fecham para o Brasil -em parte devido às idas e vindas da política de abertura econômica-, é fundamental que o presidente Fernando Henrique Cardoso, em sua visita aos Estados Unidos iniciada ontem, faça um vigoroso discurso em favor da reforma econômica, que se traduz com a remoção do entulho corporativo que impede a parceria com a poupança externa. A segunda reforma é a da Previdência, que visa criar a poupança interna de longo prazo que, somada à externa, dará ao país os recursos de que necessita para tornar-se a maior nação do hemisfério sul.
O programa de privatizações, que anda a passos de cágado, é outro imperativo, ao lado da quebra dos monopólios e do fim das restrições ao capital estrangeiro.
O presidente FHC precisa, em seu discurso nos Estados Unidos, determinar as empresas que serão privatizadas e as datas dos leilões. Quem não cumprir o cronograma deve ser posto no olho da rua. Se o presidente der a voz de comando ao seu governo, ao Congresso e à sociedade, teremos chance de manter o Real e, com ele, a estabilidade política.
Com a casa em ordem, o país não terá dificuldades de abocanhar um grande naco desta montanha de capital em busca de oportunidades. E, com certeza, sentir-se-á menos vulnerável a qualquer "hot money".

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