São Paulo, terça-feira, 18 de abril de 1995
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Podres entranhas

CLÓVIS ROSSI

SÃO PAULO - Falar em reengenharia do Estado brasileiro é pretensão demais. Pelo noticiário mais recente, o Estado brasileiro precisa é de um curso primário bem feito, muito antes de pensar em engenharia, reengenharia e outras modas.
Afinal, na semana retrasada, o ministro da Saúde, Adib Jatene, já havia descoberto um errinho nas contas do governo, que arrecadara mais do que dizia, e puxou para a sua pasta o excesso. Vamos admitir que o erro tivesse sido de boa fé. Mesmo assim, fica evidente que não dá para confiar nos cálculos do governo.
Agora, vem o TCU (Tribunal de Contas da União) e informa que o governo maquiou, para pior, as contas da Previdência, como se estivesse querendo provar, pelo truque, que é preciso reformar o sistema. Que é preciso, não há dúvida alguma, até porque mesmo os países em que existe uma Previdência digna do nome estão quebrando a cabeça para evitar a falência do sistema, porque o número de contribuintes vai ser rapidamente ultrapassado pelo de passivos.
Mas, ao errar nas contas, o governo trabalha contra a sua própria tese. Não é enganando o distinto público que se vai provar o que quer que seja, a não ser que não dá para confiar no governo.
Aliás, o acúmulo de bobagens nesse caso da reforma da Previdência permite até que se desconfie, como o faz o senador Esperidião Amin (PPR-SC), que o governo não quer fazer coisa alguma, mas apenas jogar a culpa no Congresso do fato de não se ter feito coisa alguma.
Se, aos primeiros chiados contra a reforma, o governo tomou a iniciativa de desacelerá-la, fica claro que ela não pode ser tão urgente como dava a entender a pressa inicial do Executivo. Se não era tão urgente, por que então não fazer um estudo cuidadoso, um projeto bem elaborado e as contas certas e transparentes, antes de tentar vender gato por lebre?
A cada dia que passa, reforça-se a sensação de que o Estado brasileiro transformou-se em uma espécie de "aparelho" clandestino, que ninguém controla, ninguém entende, ninguém domina. Não foi assim que se quebrou o Estado de São Paulo, o mais rico da Federação? Mais do que reengenharia, o Estado brasileiro precisa de luz sobre suas podres entranhas.

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