São Paulo, quinta-feira, 20 de abril de 1995
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O hábito deles

JANIO DE FREITAS

Ainda aparecerá alguém disposto, no Congresso, a apresentar um projeto que fixe consequências, administrativas e penais, para integrantes do governo que enganem a sociedade com informações inverídicas ou reneguem declarações comprovavelmente feitas. Sempre usuais, estas práticas já se tornaram norma no governo de Fernando Henrique, a começar de exemplos do próprio.
Entre os modos rombudos com que Sérgio Motta desovou suas críticas ao governo, algumas até procedentes, e a negação de autoria que divulgou logo em seguida, a segunda é pior. Se um ministro reprova outros e ao governo mesmo, atingindo a própria mulher do presidente, ou é mentecapto ou se sabe manda-chuva que nem o seu chefe nominal ousaria punir.
Sabemos nós outros, há muito tempo, da múltipla esperteza de Sérgio Motta. Logo, sobra a segunda hipótese. E, nesse caso, suas críticas grosseiras e sua intangibilidade recaem, com todo o peso desmoralizador, sobre o chefe que se curva aos abusos e afrontas. Como dizem os intelectuais, "problema deles, tá?"
Mas a negação da autoria (mais uma) implica desfaçatez que, se não surpreende, nem por isso pode passar sem reação. Não pela pessoa, mas pelo cargo público que ocupa e não respeita. Ou seja, não respeita o público. O que se dá por diferentes maneiras: Michel Temer, o líder do PMDB na Câmara, por exemplo, dizia ontem em rádio que o que Sérgio Motta fez "não foi crítica ao governo, foi defesa", porque era um modo de "criticar como colaboração". E haja servilismo.
Diz Sérgio Motta: "Desminto integralmente as avaliações feitas a respeito do governo atribuídas a mim". Isto é que é onanismo, mental embora: toma o falso fingindo que é o verdadeiro.
Dois sentimentos
Como dizia Gilberto Gil, "vou fazer a louvação do que deve ser louvado". Pois que louvável tolerância a do governador Mário Covas, suportando, impassível, o dedo atrevido que a professora Delma Chamma lhe sacudiu no rosto. Tomara que em aula a mestra ofereça melhores exemplos. Ainda que para isso precise valer-se da foto de Covas tão admiravelmente contido ante o insulto.
Ainda com a professora como personagem, a Folha de ontem publicou uma entrevista que suscita o ímpeto oposto ao sugerido pelo gesto de Covas: "Folha - Quanto a senhora ganha por mês/Delza - R$ 154 por 121 horas-aulas mensais". O que vem a ser R$ 7,16 por dia de aula. Ou, pasme, R$ 1,27 por hora de aula.
Ah, como é fácil atribuir aos professores a degradação do ensino brasileiro. Como é fácil falar em reforma do ensino sem falar nos salários dos professores. Como é fácil falar na "necessidade de reciclagem" dos professores sem se ocupar da "reciclagem" de suas vidas. Como é fácil a um ministro dizer que dele "os professores podem esperar tudo, menos aumento salarial". Como é difícil que aconteça alguma coisa boa pelo ensino e alguma coisa boa pelo país enquanto o ensino for pensado sem que o professor o seja.

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