São Paulo, quinta-feira, 20 de abril de 1995
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O Brasil atrás das grades

GUIDO ANTONIO ANDRADE

Nunca se desfrutou tanta democracia nem se atacou tão intensamente os problemas que assolam este país como neste momento. Avanços que não têm servido, contudo, para interromper um trágico naufrágio: o processo de degradação a que está submetida larga parcela da população: as crianças abandonadas, os miseráveis e os detentos.
O debate ideológico, a discussão acadêmica, os proselitismos e supostas posturas cristãs têm contribuído muito pouco para essa resposta, ou seja, para a solução dos problemas sociais brasileiros.
A solução imaginada pelos políticos parece ser a produção de discursos e entrevistas inflamadas, em que se explora a retórica da justiça social. Uma retórica que colide com o que esses próprios políticos praticaram, na condição de administradores públicos ou como formuladores de políticas, no Legislativo.
Nesse contexto, é exemplar a situação do sistema penitenciário. As prisões -criadas para conter a criminalidade- tornaram-se portas giratórias de onde se sai mais perigoso cada vez que se passa por elas. Quem aplaude a tese de que é justo submeter o presidiário ao tratamento subumano e revoltante das cadeias deveria refletir.
Porque, se depender apenas da reflexão dos principais responsáveis pela manutenção dessas escolas do crime, a solução parece que vai demorar um pouco.
A questão prisional é mais paradigmática quando reflete o imediatismo das "soluções" administrativas de governantes que têm por horizonte tão somente o final de seu mandato.
A sociedade paga caro -e duas vezes- pela manutenção dessas terríveis armadilhas. Primeiro para isolar o condenado do convívio social; depois, pelo alto índice de reincidências -em geral, por crimes de maior gravidade-, o que comprova o fracasso do sistema, transformado em um poço sem fundo.
Menos oneroso -a médio e a longo prazo- seria dar cumprimento à Lei das Execuções Penais. Fazer vigorar as penas alternativas (restritivas de direito como a prestação de serviços à comunidade, interdições temporárias). Nos Estados Unidos, são 27 as alternativas ao encarceramento; na França, 17. No Brasil a lei prevê três alternativas -que raramente são aplicadas.
Uma vez na prisão, poder-se-ia ao menos permitir que todos os detentos trabalhassem: o preso torna-se uma pessoa produtiva, sendo remunerado por isso, e tem sua pena reduzida à razão de um dia para cada três dias de trabalho.
Quando deixa a prisão, o ex-detento, muitas vezes, não tem para onde ir, onde dormir ou se alimentar. Há casos de reincidência poucas horas depois da soltura. A lei prevê, mas não existe a Casa do Albergado ou do ex-presidiário, onde os egressos das prisões poderiam receber assistência, orientação, um lugar para dormir e comer até que pudessem se estabelecer por seus próprios meios.
Mas a lei não é cumprida pelo Estado, que, ironicamente, encarcera pessoas que deixaram de cumprir a lei.
A pena de prisão, na maioria dos casos, condena-se por si própria. O sistema penitenciário faliu. E já não é o caso, apenas, de apiedar-se dos presos -mas de nós mesmos.

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