São Paulo, quinta-feira, 20 de abril de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Moda se apodera de grupos marginais

SARAH MOWER

O problema com o termo "moda de rua" é que é uma tapeação. Moda de rua é coisa de estilistas. O nome foi inventado há uns dez anos, quando a moda se apoderou das influências dos jovens e começou a transformá-las para as passarelas -um lugar que, se você é puritano, a moda das ruas não tem o direito de estar.
A virada veio no começo dos anos 80, em Londres, quando o trabalho de nomes como Bodymap, Katherine Hamnett, Vivienne Westwood, John Galliano, Richmond Cornejo e Mark and Syrie começou a se confundir com a autêntica moda de rua. Não era.
Em algum momento esqueceu-se que as pessoas que produziam essas roupas eram profissionais -estilistas- e não garotos que ficavam nas ruas. Eles não eram porta-vozes dessa geração. Longe disso.
Um dos princípios da moda de rua é o da oposição. Contra a riqueza, contra as regras da sociedade como um todo. Em outras palavras, é contra tudo em que a moda acredita. Mesmo tentando ao máximo não parecer, a moda produz roupas caras para pessoas "de bem", que controlam a sociedade.
Por que essas pessoas gostariam de se vestir como se estivessem associadas a grupos marginais ou ameaçadores da sociedade é o interessante.
Seria o legado dos anos 60, mais uma certa culpa em ser rico e um instinto de autopreservação (disfarçar a riqueza)?
Possivelmente, em alguns casos. Especialmente se considerarmos o desconstrutivismo: roupas caríssimas que fazem você parecer um mendigo.
Mas em outros casos, isso não se confirma: se você usar roupas de rap com os dois Cs de Chanel ou um vestido de Versace com alfinetes tipo punk você não está preocupado em aparentar miséria.
A verdade é que enquanto a alta moda toma emprestado o frisson do imaginário das ruas, ao mesmo tempo debocha dela. Ao roubar as roupas das pessoas pobres das ruas, a alta moda maltrata a cultura que imita, higienizando seus elementos de ameaça e minimizando seus motivos de orgulho.
Moda e rua (o que quer que isso queira dizer) são, na verdade, radicalmente opostos. Moda está ligada a segurança, "mainstream", mudanças rápidas em relação a tendências superficiais. E dinheiro.
"Rua" está ligada a não ter dinheiro e a todas as coisas que a maioria não considera "legal". Vem dos que violam a lei e/ou ofendem os chamados valores das famílias decentes.
Uma vez que a moda coloca suas mãos elegantes na moda de rua, os inspiradores originais querem correr para muito longe. A moda converte assim o autêntico no falsificado e obriga os que tiveram as idéias originalmente a procurar cada vez mais por um modo mais obscuro de se vestir.
O problema é: quanto mais pulverizados os cults se tornam, menos relevantes e reconhecíveis eles são. Talvez seja isso o que eles queiram -mas nesse caso, algo fundamental mudou. Aparecer e mudar era o objetivo principal da moda de rua. Será que a sede vampiresca da moda por novidades está perto de secar essa fonte?

Tradução: GUTO BARRA

Texto Anterior: Beastie Boys e seu público fogem do estereótipo rap
Próximo Texto: Tio Dave calça sapatos com cacos de vidro
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.