São Paulo, quinta-feira, 20 de abril de 1995
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Mundo cão

CLÓVIS ROSSI

SÃO PAULO - Cláudio Garon, um dos redatores mais eficientes desta Folha, além de ser um mágico com os computadores que fazem pobres mortais como eu sofrerem o diabo, diz que viveu ontem um dos piores dias de sua vida.
Dá para entender: Garon lida com noticiário internacional e na telinha de seu micro acumulavam-se ontem o carro-bomba de Oklahoma, o gás tóxico de Yokohama, o carro-bomba de Madri, que feriu o líder oposicionista José Maria Aznar, o estado de sítio na Bolívia, para não mencionar um atentado frustrado à premiê da Turquia, Tansu Çiller.
O que definitivamente não dá para entender é Oklahoma e Yokohama. No fundo, fica-se com saudades dos velhos bons tempos da Guerra Fria, em que se matava e morria por algo mais ou menos palpável, o capitalismo ou o comunismo, a pátria (seja lá o que isso signifique para cada qual), os direitos civis ou a falta deles.
Agora, não. Em Oklahoma, havia pelo menos 17 crianças entre as 19 vítimas oficialmente admitidas até o momento em que redijo este texto, por volta de 19h. Vem-me à memória uma cena de 10 ou 12 anos atrás, em Buenos Aires, no lançamento oficial da associação "Abuelas de Plaza de Mayo", formada pelas senhoras que tentavam resgatar seus netos desaparecidos, com os pais, no genocídio cometido por uma das mais selvagens ditaduras de um século selvagem.
O escritor Ernesto Sábato, que fazia a apresentação oficial, disse mais ou menos o seguinte: "Nós, adultos, de algo somos sempre culpados. Mas crianças, que culpa podem ter as crianças?"
Não que crianças e tantos outros inocentes não tenham morrido nos velhos conflitos de um passado ainda recente. Não que as mortes de então se justificassem em nome de um ideal qualquer. Mas, ao menos, dava para entender, embora nunca justificar.
Agora nem se entende nem se justifica. No fundo, tem razão o diretor francês de cinema Marcel Ophus, que fez um filme sobre a Bósnia que dizem ser belíssimo.
"Nenhuma violência, real ou ficcional, é levada a sério atualmente. É tudo imagem, videoclipe". Num mundo como esse, suspeito que ou o Garon muda de editoria ou ainda terá dias piores pela frente.

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