São Paulo, quinta-feira, 20 de abril de 1995
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Saco de gatos

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO - Bastaram algumas horas de ausência presidencial para o governo admitir aquilo que os imbecis de fora -como o maledicente escriba dessas mal traçadas- proclamam desde a campanha eleitoral: com saliva pode-se fazer algumas coisas interessantes mas nada se constrói de grande. Nem mesmo quando se ganha uma eleição -coisa que se pode fazer com saliva, além de lamber selos e envelopes.
Em pouco mais de cem dias, o edifício neoliberal montado com a saliva presidencial começa a desmoronar. O presidente é obrigado a se deslocar de helicóptero para não prejudicar a cesta básica dos descontentes, privando-a de ovos e tomates (há que algum sociólogo e nutrólogo do PSDB vir a público explicar que mal fizeram os ovos e tomates que são os preferidos para certas manifestações. Por que não os espinafres e as beterrabas?).
Não sei se nos Estados Unidos há cestas básicas. Mas no Primeiro Mundo há espaço para demonstrações de desagrado. O Brasil foi tachado de pirata -justo num assunto que, como ministro das Relações Exteriores, o próprio FHC se comprometeu a resolver. Sem entrar no mérito do problema: não colou bem o presidente declarar, para o público interno, que o Brasil não pedia nem precisava de nada. E lá fora passar a sacola para receber os óbulos de praxe.
Entrementes (cabe muito bem esse "entrementes" quando o assunto é jocoso), o ministro que a mídia considera o Amigo nº 1 ameaça lavar a roupa suja desse saco de gatos. Nisso tudo, lamento o envolvimento de dona Ruth na bordoada geral. Tenho por norma não invadir a vida pessoal e familiar dos funcionários públicos que habitualmente critico. Nem o farei agora.
Mas ela anda se expondo em espaços que, por méritos próprios, poderia e até deveria ocupar. No atual contexto, é com constrangimento que leio a espinafração do ministro Sérgio Mota em cima de sua campanha. Quem deve segurar essa barra é o Betinho. É outro que acredita no poder da saliva -embora o ministro tenha preferido aludir a outro tipo de secreção.

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