São Paulo, sábado, 22 de abril de 1995
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Muito barulho por nada

JOSUÉ MACHADO

Que ninguém saia por aí queimando dicionários e enciclopédias por causa do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa aprovado nesta semana pelo Senado, porque a reforma é superficial. E haverá um período de carência de meses ou mais de um ano para que entre em vigor depois de aprovado pelo governo dos países que assinaram o texto em Lisboa em 90: Brasil, Portugal, Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe.
Estes são alguns exemplos das mudanças aprovadas. As que mais afetarão os brasileiros se concentram na acentuação:
1) Desaparece o acento dos ditongos "éi" e "ói" das paroxítonas (acento na penúltima sílaba): "ideia", "proteico", "apoio" (apoiar), "claraboia", "heroico".
2) Desaparece o acento de algumas palavras homógrafas (de mesma grafia, mas significado diferente), como "pára" (verbo), "péla", "pélo" (verbo), "péla" (substantivo) e "pólo". Serão escritas "para", "pela", "pelo" e "polo". A diferença entre as homógrafas será percebida pelo sentido. Pelo menos é o que se espera. Mas "fôrma" (por conta do Aurélio), "pôr" e "pôde" continuam acentuadas.
3) Desaparece o acento das palavras terminadas em "eem" e "oo": "creem", "deem", "leem", "enjoo", "voo".
4) Poderão ser acentuadas formas verbais indicativas do passado -"amámos", "démos", "louvámos", como as pronunciam os portugueses.
5) Desaparece o acento do "u" das duplas "ue" e "ui" em algumas situações: "argue", "averigue", "argui" .
O trema desaparece. Escreveremos "aguentar", "arguir", "consequência", "linguiça" etc.
Mantém-se no entanto a principal divergência fonética (diferença de som) entre a grafia de Portugal e do Brasil. A reforma acatará formas como "atômico" e "atómico", "bebê" e "bebé", "gênero" e "género", "tônico" e "tónico".
É claro que no Brasil as formas fechadas continuarão sendo preferidas.
Em relação às letras mudas, a reforma elimina o "c" e o "p" não pronunciados, usados em Portugal e nos países africanos de língua portuguesa. Nada mais de "adopção", "afectivo", "actual", "exacto", "óptimo". Se a letra for pronunciada, como em geral a pronunciam os portugueses, será mantida: "amígdala", "amnistia", "carácter", "facto", "sector", "sumptuoso" e outras, ao lado das formas preferidas no Brasil, sem essas letras.
O hífen desaparece nas palavras compostas formadas por prefixos terminados em vogal, se o elemento seguinte começa com "r" ou "s". Nesse caso, as consoantes duplicam-se e sufocam o hífen: "antissemita", "antisséptico", "suprarrenal", "neorrealismo" etc. Antes da reforma, são escritas assim: anti-semita, supra-renal, neo-realismo.
Mas o hífen se conserva (conserva-se, dizem os portugueses):
1) Nas palavras compostas: "segunda-feira", "cirugião-dentista";
2) Nos prefixos que antecedem "h": "anti-higiênico";
3) Se a última letra do prefixo e a primeira da palavra seguinte forem iguais: "auto-ônibus";
4) Com os prefixos "ex", "sota", "soto", "vice", "vizo" e com os elementos "além", "aquém", "recém" e "sem".
Há mais, só que o hífen não merece tanta atenção.
O "k", o "w" e o "y" voltam a integrar, oficialmente, o alfabeto, porque da língua nunca saíram. Estão em nossos dicionários palavras como "kart", "kantismo", "wagneriano", "byroniano", "taylorista" e muitas outras derivadas de nomes próprios estrangeiros ou palavras estrangeiras de uso internacional. Também já são usadas em siglas, símbolos e palavras adotadas como unidades de medidas de uso internacional: "k" de "kalium" (potássio), "km" (quilômetro), "watt" e outras. E é assim mesmo, limitadas a tais usos, que se manterão essas letras, desnecessárias para o vocabulário comum, que continua como antes.
Como se vê, é só gravar essas poucas modificações, e o dicionário estará salvo, para tristeza do pessoal das casas editoras.

JOSUÉ R.S. MACHADO é jornalista, formado em línguas neolatinas pela PUC-SP. Colaborou em diversos jornais e revista

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