São Paulo, sábado, 22 de abril de 1995
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Simpósio discute o pensamento de Foucault

FERNANDO DE BARROS E SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Considerado o principal nome do pensamento francês desde Jean-Paul Sartre (1905-1980), o filósofo Michel Foucault (1926-1984) terá seu legado intelectual debatido a partir de terça-feira no simpósio "Foucault, um Pensamento Desconcertante", promovido pelo Departamento de Sociologia da USP e pela Sociedade Brasileira de Sociologia.
É a segunda vez no Brasil que um evento deste porte discute a obra de Foucault. O primeiro, realizado em 1985, foi editado em livro pela Brasiliense com o título "Recordar Foucault", uma resposta local ao sociólogo francês Jean Baudrillard, autor do panfleto "Esquecer Foucault".
Pelo formato do simpósio deve haver Foucault para todos os gostos. A obra que o historiador Paul Veyne, seu amigo pessoal, disse ser "o acontecimento intelectual mais importante do nosso século" continua enfeitiçando os profissionais das ciências humanas na França e desse lado do Atlântico.
A influência de Foucault por aqui já é antiga. Não parou de crescer desde que ele, em visita ao Departamento de Filosofia da USP em 1965, apresentou a primeira versão daquilo que seria 'Às Palavras e as Coisas", publicado na França no ano seguinte.
É nas páginas finais deste tratado anti-humanista que Foucault desenvolve a idéia de que o homem não passa de uma invenção do pensamento moderno, um simples efeito de uma mudança nas disposições fundamentais do saber, para concluir a seguir que, se estas disposições viessem a desaparecer, o homem também se desvaneceria, "como, na orla do mar, um rosto de areia".
Ao destacar já no título do simpósio o que há de "desconcertante" neste pensamento, seus organizadores fazem o vento soprar a favor da maré foucaultiana.
Que se leia, por exemplo, o último livro que Foucault concluiu em vida, "O Uso dos Prazeres" (1984), onde explica a mudança de rumo em sua obra dizendo que "existem momentos na vida onde a questão de saber se se pode pensar diferentemente do que se pensa é indispensável para continuar a ver e refletir".
Alguém desconfiado diante dessa obstinação pela diferença poderia perguntar: mas e se você estivesse pensando certo antes? Questão que provavelmente faria Foucault rir, já que para ele a verdade não passa de um discurso.
É isso o que ele diz em seu último livro, quando resume sua trajetória intelectual: 'àquilo a que me atenho -a que me ative desde tantos anos- é a tarefa de evidenciar alguns momentos da história da verdade. Uma história que não seria aquela do que poderia haver de verdadeiro nos conhecimentos, mas uma análise dos 'jogos de verdade', dos jogos entre o verdadeiro e o falso, através dos quais o ser se constitui historicamente. (...) Através de quais jogos de verdade o homem se percebe como louco, quando se olha como doente, quando reflete sobre si como ser vivo, ser falante e ser trabalhador, quando ele se julga e se pune como criminoso?".
São questões que Foucault tratou de responder em sua obra. Não é exagero afirmar que o pensamento contemporâneo ainda é em grande medida refém deste "maitre à penser" que José Guilherme Merquior chamava de "o fundador do niilismo de cátedra".

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