São Paulo, domingo, 23 de abril de 1995
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Os farristas do chute

JANIO DE FREITAS

Os números referentes às importações em março, afinal liberados 20 dias depois de encerrado o mês, não confirmam as declarações oficiais quando do aumento de impostos de importação.
Os carros importados não consumiram US$ 1 bilhão em março, como vários ministros disseram, nem, muito menos, "a farra do carro tem que acabar porque está custando mais de US$ 1 bilhão por mês das reservas", como disse o presidente Fernando Henrique. Os carros importados totalizaram US$ 459 milhões, ou 9,69% do total. Menos da metade do alegado.
Também o total das importações não foi o mencionado pela ministra Dorothéa Werneck, de "mais de US$ 6 bilhões". Foi de US$ 4,734 bilhões. Destes, o grosso foi gasto com produtos que nada têm a ver com a "febre dos importados": US$ 3,625 bilhões, ou 76,57%, foram aplicados em matérias-primas, equipamentos e peças industriais, combustíveis, óleo.
Excluídos os carros, em bens de consumo mesmo (elétricos e eletrônicos, alimentos, bebidas, supérfluos) foram gastos US$ 650 milhões, 13,73% do total. Se considerarmos que estes produtos estão sendo adquiridos pelos famosos 30% da população que, da classe média para cima, têm melhor poder aquisitivo, a conclusão se impõe: cada um destes brasileiros fez em março a formidável farra de gastar, na média, US$ 14 em importados. Nada menos do que R$ 12,85 no mês. São uns esbanjadores.
Para culminar a orgia, parte desse gasto de R$ 12,85 foi apenas teórico. É que, no total das importações de bens de consumo em março, estão incluídos os produtos importados para estoque dos distribuidores e comerciantes, que resolveram prevenir-se contra repentinos aumentos de impostos.
Os exóticos
É uma gente esquisita essa do PSDB. Em qualquer partido governista, de qualquer país, haveria empenho imediato para esvaziar declarações de um ministro que, embora contendo algumas verdades inquestionáveis, pela forma grosseira tornaram-se constrangedoras para o presidente, para a mulher do presidente, para todo o governo e para o partido mesmo. O PSDB vai na direção oposta: quando o assunto começava a morrer, os parlamentares peessedebistas fazem um manifesto de apoio às declarações constrangedoras. E o próprio líder do partido na Câmara, José Aníbal, põe o jamegão no manifesto.
O ministro Sérgio Motta já é citado como o dois em um: misto de PC Farias, pelo domínio sobre o presidente, e de Cláudio Humberto, aquele porta-voz que não emitia palavras, mas tamancos. Seja isto mesmo ou apenas um caso de ansiedade verborrágica sem um mínimo de lapidação, Sérgio Motta representa bem a peculiaridade exótica do PSDB. Malha até o ministro Adib Jatene, mas em sua área não foi capaz sequer, em quase quatro meses, de substituir as direções ineptas de tantas estatais de telefones. De prático e concreto, até hoje nada fez em benefício da população.
Se a contradição é a alma do PSDB, pode-se entender o comentário de Ruth Cardoso, em Washington, ao tijolo de Motta: "Quem entra no fogo é para se molhar". Melhor assim. Ela não se sentiu chamuscada pelas críticas do ministro.

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