São Paulo, domingo, 23 de abril de 1995
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NA PONTA DA LÍNGUA

MARCELO LEITE

E o Senado aprovou sem discutir, na terça-feira, uma reforma ortográfica que torna obsoletos milhões de dicionários e livros didáticos. Tudo por causa de umas titicas como tremas, acentos diferenciais e consoantes que de tão mudas ninguém mais sabe delas. Só mesmo Aparecido de Oliveira e Antonio (Antônio? António?) Houaiss devem ter vibrado com mais essa demonstração de insanidade legislativa.
Tudo bem, o acordo ainda não entrou em vigor. Tomara nunca entre. A Folha, que malhou o quanto pôde (este diferencial continuaria, aviso aos navegantes) o acordo em editorial, tentou porém para tirar proveito da mudança envolvendo o maldito trema.
Tudo começou com a reportagem que anunciava a aprovação do acordo, na quarta-feira. Na meia dúzia de erros que detectei nos textos, dois se referiam ao trema:
1. Afirmou-se que o sinal é "usado sobre a letra 'u' para acentuar seu som. Errado, claro. O sinal serve para indicar que a letra deve ser pronunciada em "qüe / güe / qüi / güi.
2. Havia ainda um período quase cômico - "A lei 5.765, de 1971, restringiu o uso do trema no Brasil, mas ele é usado nas sequências 'gu' e 'qu' seguidas de 'e' ou 'i' (exemplos: 'agüentar' e 'eloqüência', segundo o Aurélio).
Isso mesmo, "sequência" sem trema e "eloqüência" com. A razão, que nem todos conhecem, é que a Folha não usa esse sinal há vários anos. Como "sequência" não era exemplo, ficou sem o seu.
Para não trazer ainda mais confusão do que essa decisão unilateral do jornal já causa, o redator poderia bem ter evitado usar palavras em que o trema seja obrigatório, além dos exemplos. Apontei a falha na minha crítica interna da edição e recomendei que, se voltasse ao assunto, a Folha deixasse claro que não usa o trema, e por quê.
Na edição seguinte, saiu o malfadado box: "Folha já tinha abolido trema. Na crítica interna, retruquei, e a reproduzo aqui para todos:
"Foi bom ter feito o box sobre o trema, mas o título ficou bem cabotino (...). Não me parece que o jornal deva contar vantagem por desrespeitar uma norma gramatical em vigor. Deveria apenas explicar-se.

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