São Paulo, domingo, 23 de abril de 1995 |
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'Desmaiei, acordei e levei mais 3 tiros'
AMAURY RIBEIRO JR.; VINICIUS TORRES FREIRE
Era 0h30 de sábado, 14 de janeiro de 95. A.S.P. assistia ao filme de terror "Numa Noite Escura", na TV Gazeta, quando, segundo ela, o segurança "Cabo" (Josmar Santana, preso, acusado de executar o crime) invadiu a sala de sua casa. Ao lado dela estavam seu irmão, Sidney de Souza Peixoto, a namorada dele, Cristina Silva, e o vizinho Emerson Soares, 12. À exceção de A.S.P., todos morreram. Na TV, uma mulher começava a ser estrangulada. Na porta da casa, um homem lhe apontava a arma. A.S.P. disse ter "caído na real" apenas quando levou dois tiros -no rosto e no braço direito. "Fui a primeira. Caí, desmaiei um tempinho e quando abri os olhos levei mais três tiros -nas pernas e no outro braço." Acordou no hospital e soube das mortes. "Me lembro apenas de ter ouvido a voz do vizinho Zoreia (Samoel Galvão, preso e acusado participar do crime), que do lado de fora tentava chamar a atenção de meu irmão." Ameaçada de morte, A.S.P. foi encontrada pela Folha em uma cidade do interior do país, onde a polícia e a família acharam melhor escondê-la. Ainda tem uma bala no queixo. Diz não ter medo de "mais nada". Agência Folha - Você se lembra do crime? A.S.P. - Lembro de alguma coisa. Estávamos vendo o filme "Numa Noite Escura", quando o "Cabo" invadiu a porta. Levantei do sofá assustada, como quem acorda de um sonho terrível sem saber se o que está acontecendo é sonho ou realidade. Só caí na real depois de levar dois tiros. Fui a primeira. Caí, desmaiei um tempinho e quando abri os olhos levei mais três tiros, nas pernas e no outro braço. Depois disso não me lembro de muita coisa. Acordei no hospital, onde me disseram que todos estavam mortos. Me lembro apenas de ter ouvido a voz do Zoreia, que do lado de fora tentava chamar a atenção de meu irmão. Agência Folha - Por que seu irmão foi assassinado? A.S.P. - Sinceramente não sei. Agência Folha - A polícia diz que ele participava de pequenos roubos na companhia dos dois acusados, Zoreia e Surucutum (Moacir Galvão, irmão de Zoreia, preso e acusado de executar o crime), e que isso pode ter motivado o crime. A.S.P. - Não é bem assim. Meu irmão apenas emprestava o galpão para que eles guardassem os objetos roubados. Mas não participava de roubos, porque quase nunca saía de casa. Agência Folha - Ele recebia dinheiro por emprestar a casa? A.S.P. - Não posso dizer isso, porque ultimamente meu irmão andava muito estranho, não falava de suas coisas. Fumava crack o dia inteiro. Quase teve duas overdoses. Tentei dar conselhos para ele, mas foi inútil. Agência Folha - Você também consumia crack? A.S.P. - Nunca. Só bebia um vinho de vez em quando com meu irmão. Agência Folha - Por que você deixou sua mãe para morar com o seu pai em São Paulo? A.S.P. - Porque adorava meu irmão. Mas meu pai não ajudava em nada. Quando bebia, vivia dizendo que ia matar a gente. Nunca conversou com os filhos. Tentava ajudar a gente, mas por ser alcoólatra não sabia como. Agência Folha - Vizinhos em São Paulo dizem que você tentou envenenar seu pai. A.S.P. - É pura conversa do pessoal. Eu só colocava remédio na comida para ver se ele parava de beber. Também falavam que foi a gente que internou ele no hospital. Mas quem fez isso foi próprio chefe dele na Sabesp. Agência Folha - Como foi se acostumar no bairro, quando você mudou para lá? A.S.P. - Foi duro. Não conseguia dormir porque todas as noites aconteciam vários tiroteios. Com o tempo me acostumei. Agência Folha - Você tem medo de morrer? A.S.P. - Não. O pior foi ter perdido meu irmão. Não tenho mais medo de nada. Agência Folha - Você pensa em voltar para São Paulo? A.S.P. - Isso nunca. São Paulo virou o centro da violência. Agência Folha - O que você pretende fazer da vida? A.S.P. - Não sei. Não estou estudando nem trabalhando. Não sei o que vai acontecer comigo. Agência Folha - De onde vem o dinheiro do seu sustento? A.S.P. - Minha mãe, que acabou de perder o emprego, tem uma grana que está acabando. Agência Folha - E o que você gosta de fazer? A.S.P. - Só vejo TV, para passar o tempo. Agência Folha - Além de você, restaram quantos irmãos? A.S.P. - Dois, que trabalham. Colaborou VINICIUS TORRES FREIRE, da Reportagem Local. Texto Anterior: Marido e mulher morrem juntos Próximo Texto: Comerciantes confessam planejamento de crime Índice |
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