São Paulo, domingo, 23 de abril de 1995
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Fim da munição salva menino

ARF
DA REPORTAGEM LOCAL

O fim da munição da arma de um matador salvou a vida do menino de rua F.S.M., 13. Ele é um dos dois sobreviventes da chacina de garotos de Suzano.
F. vive hoje escondido em um local que não pode ser divulgado para protegê-lo de possíveis atentados.
Ele conta que na noite da chacina estava fumando crack com quatro outros meninos de rua na estação abandonada da Sabesp da praça Padre Cícero, Jardim Dona Benta.
"Três homens entraram na casa e pediram para fumar crack com a gente. Quando estavam bem perto, um deles atirou no 'Bel' (Romério Silva Alves), que estava mais perto dele. Então os outros dois também atiraram."
Um dos garotos, M.S.F., 16, que estava um pouco afastado do grupo, correu e conseguiu escapar sem ferimentos.
"Bel" e André César Valdo foram atingidos primeiro e morreram na hora. F. e João Henrique da Silva de Oliveira correram para os fundos da casa para tentar fugir, mas João foi atingido e morto.
"Um dos caras veio atrás de mim e acertou um tiro nas minhas costas. Quando atirou outra vez, eu me abaixei e ele errou. Ele tentou atirar de novo, mas as balas do revólver tinham acabado. Então os três caras saíram correndo e eu também", conta F.
Ele foi socorrido por M., que tinha ficado perto da casa. Os dois pediram ajuda a um vizinho e foram para a Santa Casa de Suzano, onde F. ficou internado.
Na volta, M. encontrou um carro da PM e avisou do ocorrido. Os policiais e o garoto se dirigiram à casa. Os outros três meninos foram levados pela polícia ao hospital, mas já estavam mortos.
Também escondido para se proteger, M. diz que era comum o grupo de garotos praticar furtos em Suzano para comprar drogas, em especial crack. Segundo ele, os meninos também usavam, ocasionalmente, maconha e cocaína.
No dia da chacina, o grupo todo tinha fumado cerca de 25 pedras de crack. Pagaram R$ 10 por pedra. Para comprar a droga, tiveram de praticar furtos que lhes renderam R$ 250.
M. diz que usa drogas desde os 10 anos, quando também passou a viver nas ruas. Já "morou" nas ruas de Mogi e na praça da Sé, em São Paulo.
Ele afirma que passou a consumir crack há um ano, mas diz que depois da chacina não fumou mais.
Sua família mora em Suzano, embora ele só veja a mãe e os três irmãos "de vez em quando". Sua mãe, Germina de Souza, sobrevive lavando roupas para outras pessoas. Há um ano ele não vai até sua casa.
Já os pais de F. se separaram quando ele tinha 6 anos. Ele diz que nasceu em Itaquera (zona leste de SP). F. não lembra a última que viu a família.
Apesar de ter levado um tiro e virado notícia, nenhum parente apareceu para visitá-lo.
F. se recupera bem dos ferimentos, mas ainda vai usar uma bolsa de colostomia (usada para coletar fezes diretamente de uma abertura no abdome) durante 90 dias.

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