São Paulo, domingo, 23 de abril de 1995
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Justiça militar e violência

HÉLIO BICUDO

O sr. Getúlio Corrêa, juiz-auditor da Justiça Militar da Polícia Militar de Santa Catarina, em artigo publicado nesta Folha, na edição do último dia 2, pretende que a luta da sociedade civil contra o corporativismo da chamada Justiça Militar das polícias militares não passa -citando George Balandier- de jogo de cena que faz uso das forças do cômico e do ridículo, com a mesma ambiguidade, pois libera uma crítica que é desarmada pelo riso.
Diríamos, antes de mais, que se trata de uma crítica da maior seriedade, tendo nela inserta não o desarme pelo riso, mas a tragédia de uma sociedade que se vê impotente diante da impunidade que arma e acalenta a violência daqueles que deveriam velar pela segurança pública.
As estatísticas estão aí para quem quiser ver. E elas demonstram à exaustão que não é mais possível, em pleno regime democrático, a existência de uma Justiça de exceção, responsável, como recentemente apontou o senador Roberto Freire ao apreciar a matéria, pela situação atual de violência e impunidade reinante no seio das polícias militares estaduais.
Aliás, na mesma linha de raciocínio já se colocava a Comissão Parlamentar de Inquérito que investigou a eliminação de crianças e jovens no país, ao apontar, como a maior responsável por essa situação as polícias militares, cujos membros impunes se desdobravam em atos de violência.
Não se trata de indagar se o delinquente está, ou não, preocupado com a Justiça que o vai julgar. Trata-se, isto sim, da certeza de impunidade quando se sai às ruas para aquilo que a PM entende ser a luta contra a criminalidade.
Não fora essa impunidade, cujo sentimento se incute nas milícias estaduais pelo que já se considera uma certeza, como se verifica de tantos casos exemplares, quando policiais militares que estão sujeitos a processos por delitos praticados nas funções de policiamento, continuam em serviço, são elogiados e até mesmo promovidos por merecimento.
Se o senhor Getúlio Corrêa não sabe, é bom que se informe o que está acontecendo em São Paulo, com os policiais envolvidos no massacre do Carandiru. Que também se informe sobre o que se está ocorrendo com a única testemunha ocular da chacina da Candelária.
Num caso e noutro -e são apenas casos exemplares- verifica-se que os processos se arrastam para que a poeira do tempo encubra as responsabilidades, permitindo, ademais, o afastamento, por intimidações ou eliminação, de depoimentos incriminadores, para que se chegue ao costumeiro "non possum".
Além disso, não se venha com a assertiva de que se a Justiça Militar das PMs é morosa, a Justiça comum também o é, como argumento para se ampliar auditorias e Tribunais de Justiça Militares, tornando, assim, mais difícil o salto para uma Justiça igual para todos, que a democracia tem como um de seus princípios fundamentais.
Em primeiro lugar, porque em crimes conexos cometidos por policiais civis e militares, como aconteceu na eliminação de 18 detentos no 42º DP (Parque São Lucas) em São Paulo, os policiais civis já foram julgados e condenados a penas da maior gravidade, enquanto se arrastam, cerca de seis anos depois, os processos contra os policiais militares implicados.
A verdade, depois, é que a questão está em se identificar o que é e o que não é crime militar. E os crimes de e no policiamento, evidentemente, não o são.
Tudo se resume em dois pontos principais: de um lado, a sociedade civil, inconformada com o privilégio de uma Justiça especial; e, de outro, o corporativismo das carreiras e de carreiristas da Justiça Militar estadual.
Não há que fugir daí.

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