São Paulo, domingo, 23 de abril de 1995
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Juro alto consome US$ 20 bilhões da receita do governo

JOÃO CARLOS DE OLIVEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

O juro alto brasileiro funciona como um "Robin Hood" (o bom ladrão) ao contrário. O governo tira de toda a sociedade, via impostos, e transfere renda para os aplicadores em títulos públicos.
No total, o gasto com juros é estimado em 3,5% do PIB (Produto Interno Bruto, a soma de todo o que se produz no Brasil) ou, aproximadamente, US$ 20 bilhões.
Para se ter uma idéia de grandeza, esse valor é quase cinco vezes maior do que o rombo projetado nas contas da Previdência que, há algum tempo, servia de argumento do governo para não aumentar o salário mínimo para R$ 100,00.
A política de juros altos é recorrente na economia brasileira. Os economistas justificam a sua necessidade: 1) inibe o consumo e a formação de estoques especulativos (ao incentivar as aplicações financeiras); 2) impede ou minimiza a fuga de capitais (saída de recursos do país).
Atualmente, há um terceiro fator: o fato de o governo ter encontrado dificuldades para aprovar o ajuste fiscal (equipar o Estado para que não gaste mais do que arrecada), praticamente obrigou-o a enfrentar o crescimento do consumo -na falta de outro instrumento- com a elevação dos juros.
Como diz o ex-ministro Mailson da Nóbrega, sócio da consultoria MCM, dependendo das circunstâncias, o governo "não pode escolher a melhor alternativa (o ajuste fiscal e a privatização), mas a menos ruim".
O problema da política de juros altos é que a fórmula produz efeitos colaterais.
O primeiro é que, como as aplicações financeiras vencem a cada 30 dias, o juro alto gera renda e, portanto, pode gerar consumo.
O segundo, lembra Flávio Nolasco, economista da Brasilpar, é que o juro acaba servindo de padrão para o ganho esperado pelos empresários em seus negócios. Vender qualquer coisa tem que render mais do que simplesmente deixar o dinheiro aplicado. "As margens de lucro ficam infladas."
Também segundo Nolasco, fruto do processo de superinflação que existia antes do real, "todo mundo (lojistas, pecuaristas, industriais) virou uma espécie de banco. Quando o consumidor compra um produto, está levando dois. O produto e o esquema de financiamento." Pior é que o fato de o Estado ser endividado e ter suas contas desajustadas o obriga a pagar juros altos. Mas, quanto maior o juro, maiores serão os gastos do Estado.
Desta forma, o juro alto, além de um "Robin Hood", é também uma espécie de bomba-relógio. "O governo terá de ter habilidade e caminhar no ajuste fiscal para desarmar esta bomba", afirma Amaury Bier, economista-chefe do Citibank.

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