São Paulo, domingo, 23 de abril de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Bancos públicos: solução concreta

ANTONIO KANDIR

No debate, cada vez mais aceso, sobre a utilidade de haver ou não bancos públicos é possível identificar duas posições polares.
Para uns, a existência de bancos públicos é incompatível com a consolidação de uma economia estável, além de desnecessária para o desenvolvimento econômico. Para outros, os bancos públicos são não só instrumentos indispensáveis de políticas de desenvolvimento, mas também veículos insubstituíveis de democratização do acesso a serviços de natureza financeira.
Para ser sucinto, diria que aqueles "jogam fora o bebê com a água do banho" e estes "misturam alhos com bugalhos", com o intuito de legitimar interesses estritamente políticos e/ou corporativos. Em ambas as posições, falta distinção clara entre duas funções dos bancos públicos, não necessariamente associadas -a função comercial e a de fomento.
Não havendo espaço para esgotar o assunto, limito-me neste artigo a debater um argumento dos defensores do "status quo", qual seja, o de que os bancos públicos seriam veículos insubstituíveis de democratização do acesso a serviços de natureza financeira. O argumento baseia-se na suposição de que, a prevalecer a lógica estrita da "rentabilidade privada", muitas localidades estariam privadas de serviços que, no mundo moderno, tornam-se cada vez mais indispensáveis.
Esse argumento tem sido fartamente utilizado para legitimar a proliferação descontrolada de agências de bancos públicos, a qual, como regra, obedece a decisões de natureza político-partidária, com duplo "p" minúsculo. Ora, a manutenção de agências deficitárias tem um custo, quer na forma da depreciação do valor das ações do banco, do qual o setor público é acionista majoritário, quer na forma de aportes do Tesouro. De uma forma ou de outra, esse custo, que fica obscurecido, recai sobre o contribuinte, seja sob a forma de desvalorização do patrimônio público, constituído em boa parte com o dinheiro dos impostos, seja na forma de descontrole monetário e inflação.
A questão está em saber se a sociedade está disposta a pagar o custo nada desprezível de decisões sobre as quais exerce escasso controle, assim como saber se não haveria alternativas de custos menores e mais transparentes. Que a sociedade não está disposta a pagar esse custo fica claro pelo apoio maciço ao Plano Real e às políticas de austeridade nos Estados da Federação. Quanto às alternativas, não só existem como é possível ampliá-las.
A prestação de serviços financeiros em "localidades remotas" não é monopólio natural das instituições financeiras públicas, nem sequer das instituições financeiras como tais. Em muitos países, esses serviços são prestados por outras agências públicas com extensa rede de atendimento, como os Correios, por exemplo. Não há empecilho técnico intransponível para que o mesmo venha a ocorrer no Brasil. A questão está em superar tabus e resistências e regulamentar devidamente a matéria, dentro do regime de concessões públicas.
O que importa é a decisão sobre a existência ou não de serviços de natureza financeira em determinada localidade ser tomada em fórum adequado, com controle e transparência quanto aos custos. Exemplifico. Digamos que um certo município queira ter acesso a serviços de natureza financeira; o desejável é que, através de licitação pública, escolha a instituição, pública ou privada, financeira ou não-financeira, que apresentar o menor custo e o melhor padrão de qualidade.
Não podendo esta, comprovadamente, custear por conta própria seus gastos operacionais na localidade, é legítimo que o Tesouro local ofereça algum tipo de contrapartida (terreno, instalações etc.). O custo da contrapartida, porém, tem de ser explícito e caber dentro do orçamento fiscal correspondente.
Em suma, não só a sustentação do "status quo" tem custo inadmissível, porque gigantesco, incontrolável e socialmente perverso, como também há alternativas perfeitamente viáveis para tornar compatível o drástico e impostergável enxugamento dos bancos públicos e o acesso amplo a serviços de natureza financeira.

Texto Anterior: É hora de a MPB explodir
Próximo Texto: Brasileiros lideram retirada de investimentos do país
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.