São Paulo, domingo, 23 de abril de 1995
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Cuba em ritmo de "nouveau roman"

BERNARDO AJZENBERG
SECRETÁRIO DE REDAÇÃO

Cuba em ritmo de "nouveau roman "
Não que Montero, também poeta e roteirista, autor de obra solidificada e premiada em seu país, dê as costas para a ilha onde nasceu. Muito pelo contrário. O que suas narrativas reunidas neste "6 Mulheres 6" revelam é um autor que extrai, do cotidiano de seus conterrâneos, elementos para compor "aventuras", em geral sentimentais e amorosas, que atravessam sem pedágio qualquer continente.
Montero utiliza, sem ranços, um estilo que lembra o quase quarentão "nouveau roman" francês em suas minuciosas e demoradas descrições, mas dando ênfase mais aos gestos e movimentos dos personagens do que aos cenários e objetos que os circundam.
Um exemplo é a descrição de um homem a pegar um copo: "A mão chegará à forma lisa e úmida do segmento quase cilíndrico, mas antes, estendendo cada um dos dedos um pouco, um pouco mais, outro pouco, e quando o polegar apalpar o frio, que venha o arpejo, três notas silenciosas pelo outro extremo da borda curva e meio cônica...".
Este capricho linguístico contrasta com a límpida simplicidade dos personagens e seus cenários havaneses, numa combinação que soa natural e despretensiosa. As nove curtas histórias de Montero registram as hesitações, sonhos e também hipocrisias, quando não certa morbidez, de jovens trabalhadores que trocam primeiras experiências.
Concorre para essa peculiar harmonia a inclusão nada forçada de elementos típicos do dia-a-dia cubano, como grupos de trabalho agrícola oficiais, a guaracha (gênero musical), ou alusões irônicas a cânones ancestrais.
Sobre este aspecto, vale a pena citar o embaraço de um personagem chamado O 6-10 no momento de sua primeira relação sexual: "O que fazer?, disse Lênin. Um passo avante, dois para trás. Isso? Melhor que o lunático ignorante pressione às cegas o lugar de múltiplas incógnitas, isso. Imediatamente O 6-10 começou a cumprir a ordem, mas sem convicção".
Como no caso acima, os personagens de Montero muitas vezes dialogam consigo mesmos -o autor sabe conduzir isso com sutileza- e, mesmo repetindo gestos e tramas, não se tornam cansativos.
Bela ousadia da pequena editora Pensieri, que aparece para o "grande público, assim, com uma edição primorosa: bilíngue, capa elegante, com proteção de celulóide, além, obviamente, de um talentoso escritor.

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