São Paulo, domingo, 23 de abril de 1995
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Intelectuais discutem o marxismo ocidental

FERNANDO DE BARROS E SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

A partir da próxima sexta-feira, e nas três sextas-feiras subsequentes, a antiga Faculdade de Filosofia da rua Maria Antonia volta a ser palco de um debate que nasceu e germinou naquele mesmo ambiente, nos idos de 60. Trata-se do seminário "Teoria Crítica, Arte e Literatura", patrocinado pelo Departamento de Teoria Literária e Literatura Comparada da USP e organizado pela professora Iná Camargo Costa.
Por trás do título acadêmico, o evento pretende passar a limpo a experiência intelectual do chamado marxismo ocidental, sem deixar de lado o seu capítulo brasileiro, do qual uma das peças centrais é o atual presidente da República, Fernando Henrique Cardoso.
Este fato bastaria para mostrar que o interesse do encontro não é simplesmente acadêmico, nem restrito àqueles que os adversários costumam chamar de viúvas do socialismo. Mas, como virou moda falar de marxismo em bloco para reduzi-lo ao fracasso de uma experiência histórica, é bom fazer algumas distinções para se conhecer melhor quem é, afinal, este patinho feio do debate contemporâneo.
Se, de fato, o marxismo ocidental é fruto de uma experiência histórica fracassada, esta não é aquela que ficou simbolizada na imagem da queda do Muro de Berlim. Quem pensa assim -e não são poucos- ignora meio século de história intelectual. Como diz o historiador Perry Anderson, em seu livro "Considerações sobre o Marxismo Ocidental" (1976), a dupla derrota da qual ele se origina são o triunfo do stalinismo na ex-União Soviética e o advento do fascismo na Europa ocidental.
Pode-se acrescentar a isso a progressiva assimilação da classe operária, na qual estava depositada a esperança da transformação histórica, à normalidade capitalista, sobretudo após o término da Segunda Guerra.
Marcado por essa experiência traumática, o marxismo ocidental nasce da dissociação incontornável entre teoria e prática. Desloca, dessa forma, a ênfase que as gerações marxistas anteriores davam aos partidos operários e à estratégia política para uma reflexão de índole acadêmica e deliberadamente solitária. É neste contexto, diz Perry Anderson, que se deve entender as preocupações metodológicas, literárias e estéticas deste marxismo das ilusões perdidas.
Não é à toa que a expressão "marxismo ocidental" tenha aparecido pela primeira vez em 1955, no livro "As Aventuras da Dialética", do filósofo francês Maurice Merleau-Ponty (1908-1961). Tratava-se, ali, de uma menção elogiosa ao jovem Georg Lukács (1885-1971), mais exatamente a "História e Consciência de Classe" (1923), que há muito figurava entre os best sellers do índex da ortodoxia sediada em Moscou.
Todo esse "imbroglio histórico será tema, já na primeira sessão do seminário, da exposição de Ricardo Musse, professor de filosofia da Universidade Estadual Paulista/Marília. Além de reconstituir os passos iniciais do marxismo ocidental, Musse pretende fazer a crítica da posição de Anderson, para quem o distanciamento em relação à prática é uma espécie de pecado original do marxismo em questão.
A segunda mesa de debates, no dia 5 de maio, coloca alguns temas estéticos que ocupam lugar central na obra da chamada Escola de Frankfurt, em torno da qual estão reunidos aqueles que podem ser considerados os principais nomes do marxismo ocidental: Theodor Adorno (1903-1969), Max Horkheimer (1895-1973), Herbert Marcuse (1898-1979) e Walter Benjamin (1892-1940).
Mas o grande dia do evento é 12 de maio, quando três veteranos do "seminário do Capital" -nome por que ficou conhecida a leitura da obra de Marx por um grupo de jovens intelectuais da USP no início dos anos 60- fazem depoimentos sobre aquela experiência.
Se depender do crítico literário Roberto Schwarz, o debate não vai tomar nem o rumo autobiográfico, nem cair na hora da saudade. Pelo contrário, sua pretensão é ligar os resultados intelectuais do seminário aos impasses teóricos da atualidade, postos pela globalização.
Desnecessário dizer que Fernando Henrique Cardoso, o intelectual e o presidente, ocupa o centro deste debate. Primeiro porque foi ele o primeiro membro do seminário a tirar consequências do mesmo quando publicou, em 1962, sua tese de livre-docência "Capitalismo e Escravidão no Brasil Meridional", na qual se podia ver já pelo título que, por aqui, as categorias clássicas da economia política não funcionavam como na metrópole.
Mas, além disso, Schwarz pretende mostrar como a "teoria da dependência", da qual Fernando Henrique foi um dos autores em meados dos anos 60, reaparece na candidatura presidencial de 94, pensada a partir das possibilidades de inserção do Brasil na ordem internacional. Uma boa ocasião para se notar que, no lugar do fatídico "esqueçam tudo que escrevi", FHC aposta mais do que nunca no que pensou há 30 anos.
A conclusão do encontro, no dia 19 de maio, fica a cargo de Carlos Nélson Coutinho, o maior divulgador da obra do italiano Antonio Gramsci (1891-1937) no Brasil, e de Paulo Arantes, a quem coube, em dois livros recentes ("Sentimento da Dialética" e "Um Departamento Francês de Ultramar") a tarefa de reinventar o capítulo brasileiro do marxismo ocidental.

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