São Paulo, domingo, 23 de abril de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

O futuro segundo John Sculley

MARSHALL BLONSKY
Especial para a Folha
CONTARDO CALLIGARIS

MARSHALL BLONSKY; CONTARDO CALLIGARIS
ESPECIAL PARA A FOLHA

Folha - Espero que o leitor compreenda que, para o sr., marketing não é nem um inventário de panacéias e banalidades sociológicas, nem uma aplicação (como infelizmente é o caso no Brasil) da linguística estrutural, morta há 20 anos. O profissional de marketing que o sr. tem em mente é e deve ser um pesquisador etnográfico.
Sculley - É curioso, quando eu entrei para o marketing o conceito sequer existia. No começo dos anos 60, em poucos lugares do mundo sabia-se o que era o marketing. O que havia eram companhias de bens empacotados, como Procter and Gamble e General Foods. Poucas companhias tinham departamentos de marketing; havia departamentos de publicidade, de promoções, de vendas. A ironia é que mesmo minha entrada para a Apple, como especialista de marketing no começo dos anos 80 -para ajudar a Apple a se tornar uma empresa de bens de consumo-, foi prematura.
Não havia mercado consumidor para aquele tipo de produto e, assim, tivemos que nos concentrar nos mercados comerciais dos anos 80 antes de podermos pensar num mercado de consumidores. Agora, nos anos 90, temos de fato um mercado de consumidores. Já há mais computadores que televisões nos EUA. As pessoas aceitaram a idéia de que a tecnologia interativa eletrônica vale também para o consumidor, e não apenas para o mercado comercial.
Folha - Mas, em sua gestão, a Apple cresceu fazendo marketing não para as corporações, mas para o público consumidor.
Sculley - A Apple concentrou-se com muito sucesso em dois mercados: os estudantes e as pessoas criativas. E para estas últimas nós criamos o desktop e, mais recentemente, a multimídia. É essa a vantagem da Apple. O ponto interessante do ponto de vista da Apple é que, mesmo tendo perdido a guerra da tecnologia para a Microsoft e a Intel, o valor de suas próprias vantagens -a vantagem na área educativa e consumidora, portanto no mercado doméstico- é muito maior hoje do que há alguns anos. Porque elas conquistaram legitimidade.
As pessoas não param de falar da derrota da Apple frente à Microsoft. É verdade, a Apple perdeu. Mas não é essa a verdadeira guerra. A guerra se dá em torno ao mercado: quem detém a preferência do consumidor, isto é, dos assinantes, dos estudantes e diversos outros tipos de consumidores.
É interessante observar a IBM ainda em luta com a Microsoft pelos sistemas de operação. Mas quem se importa? São necessários sete anos e um bilhão de dólares para criar um sistema de operação -e para quê? Para ter algo que não tem muito significado em termos de quem controla os mercados nos anos 90, já que tudo o que há de interessante está acontecendo muito acima dos sistemas de operação, isto é, nos serviços online e assim por diante.
As companhias interessantes são companhias como a America Online e Compuserve ou entidades como a Internet. Mais além, estão as companhias que fazem pesquisa de mercado sofisticada, as companhias com grandes bancos de dados, como as companhias telefônicas.
Folha - Isso é muito interessante para muita gente no Brasil, mas não sei se as coisas funcionariam bem assim.
Sculley - Como você notou corretamente, o Brasil ainda não passou pelos mesmos passos que nós demos com Henry Ford e Frederick Taylor. Há, então, alguns princípios do começo da era industrial que ainda não existem no Brasil -ou na América do Sul de modo geral. Sempre houve uma classe alta e uma classe baixa, mas nunca houve uma classe média que participasse da arquitetura da economia.
Digamos, então, que aqueles países sul-americanos que conseguirem criar uma classe média como as que vemos surgindo na Ásia, aqueles países que tiverem uma classe média em 15 ou 20 anos terão maior êxito. A grande decepção é, obviamente, o que aconteceu no México, pois esse é um grande fator de insegurança que terá reverberações no Brasil.
Folha - Ao que parece, o ambiente é bastante bom para o Brasil.
Sculley - Bem, os valores das franquias para telefonia celular, televisão a cabo e via satélite no Brasil têm tido cotações altas. Estes são produtos de classe média, de modo que deve haver certo nível de confiança no Brasil. Quer dizer, há fortunas sendo acumuladas na área de telecomunicações. Se houver uma classe média emergente...
Folha - Todos falam sobre a "classe média". E, de fato, ela existe, mas não é igual à classe média americana ou em qualquer cultura européia.
Sculley - Mas não acho que você precise da definição americana. Lembro-me de que, quando era garoto, todas as roupas que usávamos passavam de irmão para irmão. E não havia estigma social algum por causa disso -todos faziam isso. A maioria dos nossos brinquedos eram feitos por nós mesmos ou "herdados de alguém. As bicicletas passavam de mão em mão. Ninguém pensava em consumir bens perecíveis. E não me sinto prejudicado por ter crescido antes da era do plástico.
Mas se você sugerisse tal idéia, todos pensariam que você é uma alma mesquinha. Bem, não vejo porque empurrar o modelo americano de classe média ao resto do mundo. O modelo deve diferir de país para país, e pode bem haver um modelo brasileiro de classe média, perfeitamente aceitável em termos econômicos, sociais e culturais, inteiramente diferente do que vigora neste país.
Folha - Sim, com umas poucas exceções. Não há classe média sem crédito e é claro que um país com inflação alta é um país sem crédito, logo não há classe média porque...
Sculley - Mas e se vocês alcançassem uma inflação baixa como a que a Argentina e o Chile têm agora, se vocês tivessem crédito e educação -imagine quanto as pessoas consumiriam para satisfazer suas necessidades básicas e quanta renda livre ainda haveria até chegarmos a uma definição mínima de classe média. Mas, como você disse, ainda são necessários os princípios básicos- inflação baixa, crédito e educação.

MARSHALL BLONSKY é autor de "On Signs (1985), "Private Property (com Helmut Newton, 1989) e "American Mythologies (1992). Lança em breve "Racing the Future (Viking, a sair em 96) sobre a Apple, e "More American Mythologies. Está atualmente escrevendo, em parceria com Contardo Calligaris, o romance "O Amante, a Princesa e o Amigo Analista. Blonsky ensina semiótica e comunicação de massa na The New School, em Nova York

CONTARDO CALLIGARIS é psicanalista e autor de "Hello Brasil" (editora Escuta)

Texto Anterior: O futuro segundo John Sculley
Próximo Texto: O teleopoeta
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.