São Paulo, domingo, 23 de abril de 1995
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Destino da França repousa em mãos alemãs

LUIZ FELIPE DE ALENCASTRO
ESPECIAL PARA A FOLHA, DE PARIS

A campanha presidencial francesa encerra a fase inicial com todas as sondagens indicando Jacques Chirac como vencedor do primeiro e do segundo turno, diante do socialista Lionel Jospin.
Nesse caso, 95 marcará não somente o fim do mitterrandismo -nova versão de social-democracia habilitada a reduzir a inflação mas incapaz de lutar contra o desemprego- como também o retorno do gaullismo original.
Vinte e seis anos depois da renúncia do general De Gaulle à Presidência, em 1969, Chirac ressuscita um movimento conservador e popular, com bases mobilizadas em torno da afirmação nacional.
Por certo, Chirac está a quilômetros da personalidade heróica, forte e prestigiosa encarnada por De Gaulle. Mas seu estilo de fazer política e seu eleitorado têm mais apelo do que as correntes ligadas ao ex-presidente Giscard d'Estaing ou ao premiê Edouard Balladur. Quais os rumos do neogaullismo na França e na Europa atual?
Paradoxalmente, o ponto de inflexão da campanha pode ter ocorrido não quando Chirac ultrapassou Balladur, mas há três anos, no referendo sobre o Tratado de Maastricht. O voto para a unificação da Europa Ocidental revelou uma nova cartografia eleitoral.
O "não" foi majoritário na França central e mediterrânea, caracterizadas por uma população de tradições laicas e igualitárias, que constitui o essencial das reservas de voto da esquerda desde o século 19. Foi por aí que Chirac entrou na seara eleitoral dos socialistas. De fato, há um antieuropeísmo de esquerda que os desvarios racistas de Le pen fazem passar desapercebido fora da França. entre asações industriais, a França é o país que conservou mais tempo boa parte da população economicamente ativa na agricultura.
A maioria das unidades de produção agrícola é formada por propriedade familiares. Essa camada social, herdeira da civilização camponesa que construiu as catedrais medievais, forma as malhas mais contínuas e mais frágeis nos dias de hoje, da cultura francesa.
A situação vulnerável da agricultura, o desemprego urbano gerado pela política de moeda forte do projeto de unificação monetária, a uniformização de leis e regulamentos alimentam um sentimento de perda de identidade nacional.
Nos debates internacionais, o Reino Unido, que espremeu seus camponeses até o bagaço já no século 18, e os americanos -herdeiros da tradição britânica e do escravismo sulista- não têm problemas deste tipo. Trombam sempre com os franceses e espalham pelo mundo afora a imagem de uma França mesquinha, obstinada em dar vida mansa a fazendeiros que produzem queijos malcheirosos.
Mas não é bem assim. A Alemanha, grande jibóia que está acabando de digerir a vaca alemã-oriental, assenta agora dentro da UE sua hegemonia econômica e política. Mesmo adiado, o projeto de unificação monetária e da moeda única está sendo tocado sob a batuta do marco e do Bundesbank (o banco central alemão).
Nesse contexto, as alternativas são claras e se evidenciam cada vez mais. Ou bem, o próximo presidente francês, como propõe Balladur, segue uma política de corte das despesas públicas e aumento dos impostos para segurar o franco e conseguir a unificação monetária; ou bem, ele abandona o equilíbrio do déficit público e da moeda única, como sugerem Chirac e Jospin, para estimular o crescimento econômico e a redução do desemprego.
Nas duas hipóteses, são os alemães que parecem estar ditando os limites da soberania francesa. Na primeira, ditam o programa de governo. Na segunda, estabelecem as margens de manobra.
Essas questões formam o pano de fundo da campanha eleitoral. Assim, o eleitor sente que o seu destino não se decide agora nas urnas ou em Paris. Nem tampouco em Estrasburgo, no Parlamento Europeu, ou em Bruxelas, sede da comissão executiva da União Européia. Mas, sim, em Frankfurt, no prédio do banco central da Alemanha.
Pacificamente, os povos da Europa Ocidental decidiram, a partir do espaço econômico, criar um novo país. Trata-se de um fenômeno inédito na história da humanidade, marcada pelas guerras e enfrentamentos que pontuam o nascimento e a morte das nações independentes.
Porém, o capitalismo andou mais rápido do que a política. Duzentos anos depois de sua revolução, os franceses, persuadidos por De Gaulle de que eram os vencedores da Segunda Guerra, descobrem que sua sorte repousa na mão de eurocratas -burocracia de Bruxelas-, e do diretor do Bundesbank.
Isso ocorrreu, entrtanto, num país exasperado por duas décadas de desemprego crescente. Num país de forte coesão social que não aceita o desemprego e a recusa de aumentos salariais quando o patronato e o premiê alardeiam que a economia cresce outra vez. Balladur e Chirac começaram a carreira política como conselheiros do então premiê Georges Pompidou. Estavam ao lado dele quando, para surpresa de todos, inclusive da oposição socialista e comunista, os franceses viraram a mesa e desencadearam, em maio de 1968, a maior greve registrada nos países industrializados no pós-guerra. Diz a imprensa que ambos ficaram traumatizados com esta súbita e inesperada insurreição. Mas o que pensao diretor do Bundesbank?

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