São Paulo, quarta-feira, de dezembro de
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Neoliberalismo

A recente decretação do estado de sítio na Bolívia talvez seja a mais cristalina evidência das limitações das chamadas políticas neoliberais, se encaradas como uma espécie de nova panacéia para todos os males econômicos e sociais.
A Bolívia foi, a rigor, a primeira nação latino-americana a seguir a trilha neoliberal, a partir de 1985, como resposta à estagflação que destruía aceleradamente o país. Ao ser eleito presidente, Victor Paz Estenssoro encontrou a inflação no assombroso patamar dos 23.000% anuais. Nomeou Gonzalo Sánchez de Lozada ministro do Planejamento, que adotou um plano de estabilização rigidamente ortodoxo.
Só na empresa estatal Comibol (Corporação Mineira da Bolívia), foram demitidos 23 mil dos 28 mil trabalhadores, para ficar em um único exemplo do rigor com que se comportou o então ministro, hoje presidente da República.
Dez anos depois, a inflação boliviana está sob controle (foi de 8,4% em 1994), o país voltou a crescer (4,1% no ano passado), mas nem por isso dissolveram-se as tensões sociais, que estão na origem da decretação do estado de sítio.
A Bolívia, dez anos depois das reformas iniciais, continua sendo um país em que 80% da população é pobre ou indigente, conforme recente estudo da Pastoral Social da Igreja Católica.
O caso boliviano está longe de ser isolado. Em 1989, ao assumir a Presidência da Venezuela, o populista Carlos Andrés Pérez deu uma guinada ideológica de 180 graus, adotou políticas liberais e ortodoxas e, uma semana após a posse, enfrentou uma revolta popular que resultou em 300 mortes.
No mesmo ano de 1989, elegeu-se no Peru Alberto Fujimori, que trocou o discurso populista de campanha por uma política puramente neoliberal. Deu certo, do ponto de vista do combate à inflação, reduzida dos 7.650% do ano da posse (90) a 15,4% em 94.
Deu certo também sob o ângulo da retomada da expansão econômica, a ponto de o Peru ter sido recordista de crescimento na região em 1994, com robustos 12,9%.
Não obstante, o número de pobres pulou, nos anos Fujimori, de 8 milhões para 12 milhões, em uma população total de apenas 23 milhões. São números que fazem pressagiar que o Peru, a menos que comece a dar especial atenção à área social, enfrentará problemas como os da Bolívia, tão logo cesse o encantamento inegável do público com a estabilidade.
É desnecessário lembrar o caso do México, por ser arquiconhecido. Mas é importante relacionar também a Argentina. O sucesso da estabilização, já ameaçado pelos efeitos da crise mexicana, veio acompanhado de um recorde de desemprego. O próprio presidente Carlos Saúl Menem, candidato à reeleição, admite o problema e diz que será a prioridade de seu próximo mandato, se ele de fato o conquistar.
São tantos os exemplos que só se pode chegar a uma conclusão: o neoliberalismo tem propostas corretas no que se refere à abertura da economia, à desregulamentação e à privatização dos ineficientes monstros estatais. E essas propostas são pré-requisitos para eliminar os desequilíbrios econômicos e permitir que se adotem políticas sociais consistentes. Ainda assim, mesmo que se privatize tudo, se desregulamente tudo e se escancare a economia, a questão social não será resolvida. Sanear as contas públicas é necessário mas não pode ser um fim em si mesmo. Afinal, é para as pessoas, em tese, que se faz qualquer política econômica.

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