São Paulo, quarta-feira, 26 de abril de 1995
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O caminho das fraudes

JANIO DE FREITAS

Ao dizer, nos Estados Unidos, que "acabamos com a corrupção organizada no Brasil", o presidente Fernando Henrique expunha seu desconhecimento de muita coisa. Ou seria melhor dizer que apenas exercitava o seu gosto por frases de efeito? Ou defeito.
Apenas 72 horas depois, artigos de Clóvis Rossi e de Eduardo Capobianco, presidente do sindicato paulista da construção, exibiam na Folha a preocupação com a atividade de agentes de empreiteiras para que o Congresso, em votação prevista para hoje, derrube um veto de Itamar Franco à nova lei de concorrências públicas. É a corrupção em cena.
As CPIs do "impeachment" e do Orçamento desnudaram uma parte do lado que recebe, na corrupção que liga políticos e empreiteiras, mas não tocaram no lado que paga. Não foi por acaso. A pretexto de que as finalidades das duas CPIs limitavam-se ao ocorrido no âmbito do governo e do Congresso, salvaram-se não só os pagadores, senão também muitos recebedores cujos nomes apareceriam em investigações nos cofres corruptores.
Pelos mesmos motivos, até hoje não foi instalada a CPI das empreiteiras, apesar do empenho encabeçado pelo senador Pedro Simon. A instalação deveria ocorrer há um ano. As lideranças dos principais partidos, com destaque para os então líderes do PSDB, José Serra e Mário Covas, fizeram um arranjo deplorável para sustar a CPI: as eleições não estavam distantes. Ligação de causa e efeito atestada pela sustação, no mesmo arranjo, de outra CPI que deveria ser instalada na mesma época -a de financiamento das campanhas eleitorais.
Também por aquela altura, os agentes de grandes empreiteiras obtinham outro serviço dos seus parlamentares, com a inclusão, no novo texto da lei de licitações, de uma exigência absurda, que até 93 havia sido o mais fértil método de manipulação das concorrências. É a necessidade, para disputar uma obra, de haver construído outra do mesmo gênero e na proporção de 50% da obra a ser realizada. Itamar Franco vetou este artigo. O veto ficou dormitando dez meses nas gavetas do Congresso. Para afinal entrar na pauta de votações, encoberto no bolo de meia centena de outros vetos a serem apreciados. Capobianco denunciou-lhe, porém, a presença disfarçada.
Aos argumentos expostos pelos dois artigos citados, contra a derrubada do veto, acrescento outros dois. O primeiro, apenas a rememoração de um caso há tempos narrado aqui. Foi a concorrência que exigia, entre banalidades normais, que cada disputante já houvesse feito pelo menos 20 mil m2 de piso interior em granito. Ora, quem sabe fazer um metro desse piso, ou de qualquer outro, está habilitado a fazer qualquer extensão. Mas a exigência, dita técnica, entregava previamente a concorrência a uma empreiteira. A Andrade Gutierrez, que fez o Aeroporto de Confins, em Belo Horizonte, cujo piso interior de granito era o único no Brasil a chegar aos 20 mil m2.
Além dessas vigarices, é falsa a alegação de que uma obra anterior garante a capacidade técnica do disputante, seja a anterior equivalente a 50% ou a 1% da obra a ser feita. O que assegura a capacidade técnica é o corpo de técnicos, se amparado pela idoneidade empresarial. E os técnicos que fizeram determinada obra não são, necessariamente, os mesmos da seguinte, talvez nem estejam mais na mesma empreiteira.
O que o artigo vetado pretendeu foi reintroduzir o caminho mais fácil para as concorrências fraudadas. O que os parlamentares vão demonstrar, aceitando ou derrubando o veto, é a capacidade que agentes de empreiteiras têm de fraudar a decência da nova composição do Congresso.

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