São Paulo, quarta-feira, 26 de abril de 1995
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OAB, uma herança preocupante

JOAQUIM FALCÃO

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) tem novo presidente, Ernando Uchoa. Recebe de seu antecessor herança preocupante. Pesquisa nacional do Instituto Vox Populi, publicada faz pouco tempo no "Jornal do Brasil", revela que a maioria dos brasileiros não confia nos advogados. A maioria em todas as classes sociais: a, b, c. A confiança, cerca de 46%, é menor do que a não-confiança, cerca de 53%.
Mais ainda: quando relacionado entre 15 outros profissionais, o advogado ocupa o 10º lugar na confiança dos brasileiros. Perde para o médico, o professor e o bombeiro. E perde também para o guarda de trânsito, a empregada doméstica e até para o motorista de ônibus. Confia-se mais nestes, do que naquele.
Acresça-se o seguinte: duas das maiores associações de classe do Brasil, representando milhões de brasileiros -a Associação Brasileira dos Magistrados e a Confederação Nacional das Indústrias-, lutam contra a OAB e seu novo estatuto, na Justiça. Sem falar que o estatuto desnivelou o advogado do setor público, concedendo, além do salário, honorários de sucumbência, colocando-os contra milhões de funcionários públicos sem semelhante vantagem. A imprensa, que sempre apoiou a OAB, reverteu sua posição nos últimos dois anos.
A pesquisa não é, pois, fato isolado. Infelizmente, parece ser tendência generalizante. Se um dos objetivos do novo presidente for reconquistar a confiança perdida, nada mais oportuno do que analisar suas causas.
Não se pode debitar esta crise apenas ao recente estatuto da OAB. As causas vêm de longe e são profundas. A crise da Justiça é uma delas. A do ensino jurídico, outra. Mas o estatuto foi, e é, o atual divisor de águas entre advogados e opinião pública. Compreendê-lo, exige fazer uma distinção: como a OAB o defendeu, e o que defendeu.
A antiga presidência da OAB confundiu a defesa serena do estatuto com ataque e ofensas aos que o criticavam: juízes, jornalistas ou professores. Numa estratégia antidemocrática, procurou estigmatizar o crítico como inimigo. E esconder o sol com a peneira. Não conseguiu. Pior, não defendeu o estatuto competentemente. Está perdendo no Judiciário e na opinião pública. Pois, diz a pesquisa, o brasileiro confia mais nos professores (87%), nos juízes (70%), e nos jornalistas (56%), do que nos advogados (46%).
Ao tentar ignorar e desqualificar as críticas de corporativismo, de criação de uma antipopular reserva de mercado e quebra da tradição de defesa dos interesses do Judiciário, a ex-presidência da OAB ganhou um aplauso interno imediatista, mas instaurou uma crise externa de credibilidade.
Some-se a tanto algumas ações oportunistas, como defender bicheiros no Rio, em nome dos direitos humanos, em boa hora contida pelo presidente da OAB-RJ, dr. Sergio Zweiter, e eis aí alguns dos componentes desta herança.
Raymundo Faoro me disse certa vez que estratégia não é definir o que se quer, e como alcançar. Estratégia é quase o contrário. É identificar os objetivos e passos dos adversários, para superá-los, e formular alternativas. Tivesse seguido a Faoro, a OAB teria evitado uma guerra santa contra juízes, imprensa e professores, e enfrentado, como sempre soube fazer, através do diálogo e respeito mútuo, o problema de fundo.
Um problema explicitado pelo estatuto e que diz respeito ao próprio perfil institucional da OAB. É o seguinte. A vocação institucional da OAB, afirma o ministro Evandro Lins e Silva, sempre foi a defesa do povo, das liberdades, da democracia. Como conciliar esta vocação com a defesa dos interesses trabalhistas, mercadológicos e pecuniários dos advogados?
A opinião pública parece recusar que a OAB use de sua legitimidade histórica, conquistada na defesa do bem comum, para defender os interesses particulares da classe. Por mais justos que sejam. Este é o nó górdio. Ou seja, a OAB vai seguir o rumo da ABI (Associação Brasileira de Imprensa), da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) e da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), que não misturam seus objetivos institucionais com os interesses sindicais e trabalhistas de seus associados? Ou vai reorientar sua vocação institucional, dando-lhe um conteúdo cada vez mais sindical? Ambos os caminhos são dignos. Mas, às vezes, se chocam e, para a opinião pública, são incompatíveis.

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