São Paulo, quinta-feira, 27 de abril de 1995
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O desmanche de um sonho

JOSÉ FERNANDO BOUCINHAS

Nas primeiras semanas de março, sem dar as explicações necessárias, a administração tucana recém-empossada em São Paulo anunciou a paralisação das principais obras do programa de despoluição do rio Tietê. Ao tomar tal decisão, o governador Mário Covas não ficou apenas na quebra de uma promessa várias vezes repetida em sua campanha, pela qual garantia a irreversibilidade do empreendimento. Naquele instante ele também frustrava a expectativa da população de São Paulo, mostrando sua afeição à praxis política retrógrada de sustar iniciativas do governo anterior.
Ao optar pelo desmanche do Projeto Tietê, rendeu-se o governador aos argumentos pretensamente técnicos dos cardeais da corporação Sabesp, os quais sempre foram contrários ao programa. Sensibilizou-se, por exemplo, com a justificativa de que a empresa não tem os recursos que o empreendimento exige, em contrapartida ao financiamento do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento).
Ora, até o momento a Sabesp colocou ali pouco mais de R$ 60 milhões. Igualmente convenceu-se que o gerenciamento do projeto, antes coordenado por um grupo executivo, diretamente subordinado ao governador e assessorado por um consórcio de renomadas firmas de engenharia, deveria ficar nas mãos da Sabesp. Desmonta assim uma das inovações mais avançadas dessa obra, que era a de deixar o detalhamento técnico sob a tutela de uma entidade de alto nível, vacinada contra os maus hábitos do corporativismo insidioso.
As causas dessa contrariedade na realidade são outras, inconfessáveis por conveniência. Ao invés de concentrar investimentos nesse empreendimento, seria mais "oportuno" pulverizar o recurso em obras menores no interior, proporcionando margem à uma ação de marketing regional para a empresa e seus dirigentes.
É de chamar atenção que nas últimas eleições municipais, cerca de 200 funcionários da Sabesp concorreram a cargos de vereadores. Nesse viés de exploração em causa própria, participam também alguns pseudo-ambientalistas, que ao defenderem a transparência da iniciativa, pregam idéias turvas. Parece que o politicamente correto é criticar a turbidez das águas e não apoiar a sua despoluição.
Os rumos da despoluição do rio Tietê precisam ser discutidos com a sociedade, como foi feito nos últimos três anos. A descontinuidade do Projeto Tietê, na qual sequer o Consema foi ouvido, não pode ser decidida pela Sabesp, mesmo porque, nos últimos 20 anos, enquanto a empresa debatia como tratar os esgotos da cidade, nada fez além de continuar lançando os dejetos na bacia do Alto Tietê.
Pela sua concepção, a estratégia de condução do Projeto Tietê foi classificada pelo BID como exemplo para outros empreendimentos do gênero que venha a financiar; pela sua importância, foi reconhecido pelo insuspeitado ecologista Jacques Cousteau, como modelo de intervenção ambiental, acima de tudo pelo envolvimento que provocou com o segmento empresarial poluidor.
Referia-se a ele, em sua visita a São Paulo em 1994, ao sucesso na redução de 90% da poluição industrial. Isto resultou em conquistas palpáveis, na despoluição em torno de 40% das águas do rio. O Tietê, que um dia foi sacrificado pelo progresso, não deve ser condenado à morte uma segunda vez, agora pelo obscurantismo do ideário daqueles que professam o credo do "quanto pior, melhor".

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