São Paulo, quinta-feira, 27 de abril de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Com 'Atos e Omissões', Bosco Brasil traz dramaturgia aos tempos de hoje

NELSON DE SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL

O barroco William Shakespeare, os clássicos, os clássicos modernos, o moderno Nelson Rodrigues, todos foram de grande utilidade. Mas não há nada como um autor contemporâneo.
"Atos e Omissões", de Bosco Brasil, com todos os seus equívocos e imperfeições formais, e imperfeições formais é o que não falta à nova dramaturgia no Brasil, e não só no Brasil, é uma peça que reflete melhor, é um espelho mais definido do que se passa com as pessoas, hoje.
Está longe ainda da chamada carpintaria dos seus antecessores, sejam imediatos como Plínio Marcos ou mais distantes como os clássicos citados, mas é o bastante para levar ao palco a linguagem e os temas do presente.
Em "Atos e Omissões" (um título algo presunçoso e pouco inspirado, próprio do teatro de tese em que ainda se debate a nova dramaturgia) sobem ao palco a banalização da violência na metrópole, a desilusão dos (já não tão) jovens com os seus sonhos de amor e arte, o racismo, a morte.
É precisamente o que se assiste, por exemplo, na peça "Unidentified Human Remains and the True Nature of Love", do canadense Brad Fraser. Também é o que se assiste na peça "Roberto Zucco", do francês Bernard-Marie Koltès -cujo personagem-título é abertamente citado, aliás, pelo autor em "Atos e Omissões".
Juntem-se a isso tudo a Aids e a religião, como na peça "Angels in America", do americano Tony Kushner, e o resultado é a dramaturgia contemporânea.
Uma dramaturgia que não é do gosto dos últimos sobreviventes da vanguarda moderna, assustados com o convencionalismo formal dos novos autores, mas também uma dramaturgia que conseguiu livrar o teatro do marasmo em que estava preso há tempos.
Tanto assim que recuperou para o palco os grandes autores esquecidos, que seguiam como que exilados no passado e dados por decadentes. Foi o que seu viu com autores americanos e ingleses, como Arthur Miller, Edward Albee e Harold Pinter. É o que se vê com autores brasileiros, como Plínio Marcos e Leilah Assunção.
"Atos e Omissões", que está em cartaz no recém-criado Teatro de Câmara de São Paulo, é uma comédia realista, mas de um realismo cru, de carne crua, como diz o também contemporâneo diretor inglês Stephen Daldry, ao descrever o teatro dos anos 90.
Logo de cara, ao começar a apresentação, revela as suas imperfeições. Encenada pelo autor, a peça não estabelece a própria comicidade. Não consegue fazer rir, por mais que se esforce e até anuncie que vai fazer rir.
Uma direção experiente aproveitaria melhor, por exemplo, o diálogo cômico inicial entre os personagens Zupo (de Zucco, Roberto Zucco) e Hersílio. A cena perde em intensidade por conta da mão pesada do autor, deslocado no papel de diretor.
Uma delas, que lembra a cena inicial de "Unidentified Human Remains", de Brad Fraser, é a que reúne os amigos Luís Daniel e Petrônio. Eles contam os mortos de sua geração ainda jovem, mas já deteriorada e perdida, a exemplo da arquitetura e da vida no conjunto habitacional da zona leste onde ambos cresceram.
O diálogo, que reflete bem um certo companheirismo de esquina, mas em estágio decadente, quase moribundo, consegue ser afinal engraçado, ainda que rindo da própria miséria. Jairo Mattos, no papel de Luís Daniel, repete a interpretação vigorosa de sempre, por toda a peça, no limite entre a violência e o carinho.
Mas não demora e a direção prende outra vez a peça. Há blecautes demais, entrecortando a ação, quebrando o ritmo. Também há detalhes demais na cenografia desnecessariamente feia de "Atos e Omissões", detalhes que se amontoam como lixo, a atrapalhar o caminho dos atores.
A viagem à zona leste, que tanto enriqueceu a galeria de personagens de Bosco Brasil, empobreceu desnecessariamente não apenas o cenário, mas também o figurino. As belas Lavínia Pannunzio e Ariela Goldmann que o digam.

Título: Atos e Omissões
Autor: Bosco Brasil
Quando: qui a sáb, às 21h, dom, às 20h
Onde: Teatro de Câmara de São Paulo (pça. Roosevelt, 184, tel. 259-6392, região central)
Quanto: R$ 12,00 (qui e sex) e R$ 15,00 (sáb e dom)

Texto Anterior: Walcott, Enzensberger e Todorov vêm a SP
Próximo Texto: Peça "Vitória Sobre o Sol" inicia temporada no Centro Cultural SP
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.