São Paulo, quinta-feira, 27 de abril de 1995
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Pés de galinha podem salvar de vez o real

DAVID DREW ZINGG
A CAMINHO DE NOVA ORLEANS

Esta é uma semana curiosa. A bússola na minha cabeça está apontando tantos lugares diferentes que me deixa tonto. Em lugares como Nova York, China e Nova Orleans estão acontecendo coisas que clamam por atenção.
Isto sem falar na sangrenta confusão que aconteceu em Oklahoma City. Com o fim de preservar o pouco que restou da sanidade com que comecei minha vida, deixaremos a loucura de Oklahoma a cargo do pessoal que lida com os loucos deste mundo -a polícia.
Em lugar de nos ater às trágicas consequências de permitir que caipiras gringos paranóicos aprendam a juntar óleo diesel e fertilizante químico para formar duas toneladas de bomba caseira mortífera, vamos falar de um dos mistérios de uma vida estável, que tenha continuidade.
Gino
O nome do restaurante é Gino, não Gino's.
Fica na cidade de Nova York, e não vou te contar o endereço porque não quero uma invasão de visitantes que o estrague. Trata-se de um dos segredos mais bem guardados da Grande Maçã.
O Gino é o mais raro entre os tesouros, um lugar honesto que serve comida napolitana honesta, à moda antiga. O Whiskey Sour é forte e tem sabor de Nova York, sendo feito, corretamente, com Rye Whiskey.
A razão pela qual estamos celebrando o Gino é que um amigo meu me ligou de Nova York há uma semana me exortando a pegar um avião e ir para lá imediatamente. O motivo da urgência é que o Gino, que está prestes a comemorar seu 50º aniversário, iria fazer seus preços retroceder até os níveis vigentes em 1945.
Assim, o aperitivo que hoje custa US$ 7,25 custaria US$ 0,60; a costeleta de cordeiro, que hoje custa salgados US$ 23,95 cairia para mais comestíveis US$ 2,50; e o café, servido naquelas máquinas italianas antigas de café expresso, em dois andares, seria servido de graça, com os cumprimentos do próprio Gino, em pessoa.
O convite era realmente tentador. Gino, que tem 83 anos e vive em sua terra natal, raramente aparece no restaurante que leva seu nome em Manhattan, e seria uma oportunidade bem-vinda de rever o velho, após uma longa ausência.
Depois que você entrou uma vez naquele espaço minúsculo, sempre lotado, é impossível esquecer Gino, o lugar. Você entra por portas alegremente amarelas, passa por um pequeno e antigo bar de mogno, de segunda mão, para esperar em fila por sua mesa. Você se vê cercado por papel de parede vermelho-tomate. Quatro fileiras de zebras se repetem ao infinito, saltando entre uma chuva de flechas voadoras. O efeito é memorável.
Quando tio Dave frequentava o Gino, a gente costumava apostar com os novatos cautelosos que eles não conseguiriam contar corretamente o número de zebras saltitantes. Poucos deles davam conta do recado. Um dia desses Gay Talese, um velho amigo meu, repórter, resolveu arriscar sua sorte -segundo ele, depois de dar conta de um par de Sambucas.
Talese chegou a um total de 314 animais voadores. Ele errou. Nos fundos do Gino há uma metade de zebra escondida, fato que só é do conhecimento dos frequentadores habituais. Esta parte obscura e amputada do animal listradinho já pagou muitos almoços.
A lista de frequentadores do Gino é curiosa. Muitos deles são residentes do bairro de alta classe Upper East Side. São nova-iorquinos ricos do tipo que mais impressiona. Eles e suas famílias muitas vezes são donos de algum imóvel em Manhattan há gerações. Outros foram aceitos no estilo de vida Gino depois de passarem por um longo período experimental.
Brooke Shields frequenta o Gino desde que foi levada pela primeira vez por sua mamãe. Como convém a uma atriz, ela faz um almoço leve à base de massas, acompanhado por uma Coca. A turma de Frank Sinatra passou muitos anos aqui. O próprio cantor ainda vem de vez em quando. A lista continua, infindável.
Mario Laviano trabalha no Gino desde 1963. Ele e dois outros funcionários compraram a casa em 1980. Ele é o cavalheiro simpático que te dá uma mesa, quando surge uma mesa livre. Mario admite que Ralph Lauren e sua família são frequentadores constantes, além de pessoas como Dustin Hoffman e Al Pacino.
A única cliente que consegue abalar o Gino é uma certa senhora italiana chamada Sophia Loren. Quando ela entra no restaurante, Mario treme. Na realidade, o restaurante inteiro balança. Parece que as signoras provocam um certo efeito de abalo sísmico no Gino. Gina Lollobrigida provoca o mesmo tumulto.
Certa vez Mario disse a um repórter que, quando Gina chega ao local, todos os pratos do Gino começam a balançar.
A solução
Quando se trata de ajudar o Brasil a resolver seus problemas econômicos, tio Dave gosta de pensar grande.
Pensar grande sobre detalhes pequenos, como, por exemplo, digamos, pés de galinha.
Talvez você se lembre, Joãozinho, que uma vez em que estive na terra de Harry Belafonte -isto é, a Jamaica- descobri que a maior mutreta na Ilha das Bananas era o contrabando. Não o contrabando de videocassetes, nem mesmo de cocaína. Contrabando em escala realmente grande, multimilionária.
Contrabando de... pescoços de galinha.
Era a sinergia econômica perfeita. Não há nada que o cidadão médio da Gringolândia considere menos comestível do que o pescoço de galinha médio, magrinho. E não há nada, absolutamente nada, que o jamaicano médio adore mais do que esse mesmo artigo.
A Jamaica é um país em via de desenvolvimento, de modo que precisa seguir o exemplo de países maiores e mais ricos que já se tornaram potências mundiais, como o Brasil.
Provavelmente seguindo o exemplo do Brasil, a Jamaica possui leis que proíbem que se faça qualquer coisa que as pessoas gostariam de fazer. Isso inclui, é claro, a importação de pescoços de galinha.
O resultado era que os produtores de pescoços de galinha na Flórida compravam todos aqueles barcos velozes de contrabando de cocaína vistos em "Miami Vice" e voavam sobre as ondas a 200 km/h para levar aos jamaicanos vorazes os pescoços de galinha ilegais, a altos preços.
Agora vem a notícia que vai conseguir arrancar um sorriso de José Serra e salvar o real para sempre.
Esqueça os pescoços de galinha dos jamaicanos. A oportunidade de mercado realmente gigantesca para os granjeiros brasileiros é vender PÉS de galinha à China.
Ria se quiser, Joãozinho, mas é a pura verdade econômica.
O único problema é que os gringos chegaram antes. Os produtores norte-americanos de pés de galinha estão vendendo carregamentos anuais de até 150 mil toneladas de pés de galinha aos esfomeados chineses.
Os chineses ainda querem muito mais pés de galinha, e aí está a grande chance brasileira de reverter o déficit comercial nacional.
A única coisa que tio Dave quer é sua porcentagem -mas que não seja paga no próprio produto, por favor.
Tradução de Clara Allain

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